Eis um diário aberto para o mundo. Aqui, cochichando palavras quase silenciosas, acabo fazendo discursos estrondosos. Meu diário web-nada-secreto, desculpe-me, por hoje ... Bem que gostaria de contar-lhe somente as boas novas. Mas, em 24 de junho, a violência me bateu insolentemente à porta. Eram 15:22, e as professoras, colaboradores e participantes do Fórum Potiguar da Leitura e do Livro já preparavam a sua reunião. Rapazes e moças entravam e saíam; alunos, leitores, clientes da livraria. Dois jovens chegam com um ar diferente. Não buscavam livros, não traziam a curiosidade, nem a ingenuidade, nem a candura de meninos. Com seus olhares aguçados, eram astutos caçadores. Mantendo arma em punho, agitados, conduziram quase trinta pessoas, de um canto para outro, enquanto depenavam-nas, arrancando alianças, pulseiras, telefones, subjugando-as através de ameaças. Meio perdidos no ambiente, eles gritavam: “onde é o caixa, onde é o caixa?” Uma das professoras falava, mansamente. Como se fora uma consciência perdida, ela narrava os acontecimentos, e até aconselhava os rapazes. De alguma forma, quebrava o silêncio, e ajudava, com suas interferências verbais.
Pensei em reagir, pensei, seriamente, enquanto me comboiavam. Eram frangotes, miúdos, e permaneciam bem próximos. Mas, ao meu redor, enxergava tantos amigos, e inocentes transeuntes. Para agravar a situação, meu filho, posicionado no caixa da loja, já estava sob a mira do mais serelepe visitante. Eu observava a altura do balcão. Como faria para defendê-lo? Tentei seguir junto, mas fui impedido por um comparsa. Obrigaram-me a sentar no chão. Ouvia o sujeito exigir pelo dinheiro. Enxergava parte de sua movimentação constante, no lado de dentro do balcão. Eu me preparava para levantar, correr e saltar no seu pescoço. Imaginei o salto apenas. Acho que, se meu filho fosse tocado, eu me arremessaria. Aliás, essa foi a única lembrança do assalto que me faz chorar, ao relatar para amigos solidários, posteriormente. Eu nunca me perdoaria, se algo acontecesse.
Com o desenrolar da ação, convenci-me de que os riscos mais violentos se distanciavam. Eram perdas materiais que se consumavam. Olhei para o rosto de um dos marginais, enquanto ele puxava minha aliança. Não lhe interessava o valor sentimental de uma herança de família, muito simbólica para mim, que fora pertencente ao meu pai. Os novos proprietários do objeto talvez nada saibam sobre sentimentos paternos. Eles tinham mesmo era pressa, e recebiam a colaboração de todos os cordeiros e cordeiras vitimados. Enquanto me conduziam para o fundo do prédio, passei em frente ao caixa. Diminuí o passo, e o marginal de trás aquiesceu. A fila seguiu, distanciando-se. Abri os braços (como se pudesse protegê-lo) enquanto meu filho se deslocava, posicionando-se à minha frente. Isso me abrandou a aflição.
Ao fim, deixando somente prejuízos para trás, fugiram com a sensação de vitória, deixando-nos aliviados. Não há como negar que também vencemos, e fomos poupados de alguma coisa pior. Mesmo assim, daquele momento em diante, não mais conseguiria livrar-me da angústia, do rancor, de sentimentos horríveis e tardios. Pesadelos me perseguiriam. Eu retornava à cena do assalto, envolvia-me com os ladrões. Refazendo a história e o desfecho, atacava-os com ira odiosa, incontrolável. Creio que alguma doença me foi transmitida. Contaminado, virei um fedelho babaca, com a mesma fixação por bens, por valores, com o mesmo desprezo pela vida humana.
No dia seguinte, fui à delegacia de polícia especializada em menores de idade. Lá, iria prestar queixa formal, e deixar uma cópia da gravação com imagens do assalto. Deparei-me com um menor, chorando, logo na entrada. Apreendido, um pouco machucado, ele pedia a presença de sua mãe. “Eu quero minha mãe ...” Era um aprendiz de marginal, provável e potencial assassino violento do futuro. Mas, talvez nem lembrasse do que era ou poderia ser, exatamente, naquele momento. Ele somente lembrava de pedir por sua mãe.
Eu, então, pensei nos meus filhos. E pensei em tantos filhos de tantos pais e mães...
 
Aluísio Azevedo Júnior
Enviado por Aluísio Azevedo Júnior em 27/07/2013
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