Manifestemo-nos
Há muita gente que não participou das recentes manifestações populares, mas que nutre esperanças de que elas possam acabar servindo para consertar alguma coisa. Já que tudo vem dando errado há muito tempo.
Saúde, transporte, educação, habitação, carestia – o que dá certo neste país? Carnaval e futebol – que, aliás, já não são mais os mesmos. Pelo menos já não são mais desfrutados pelas camadas de baixa renda como eram.
Segurança praticamente não existe. São infindáveis os crimes de morte que deixam de ser solucionados. E estupros, agressões a mulheres, a mendigos, a homossexuais, a crianças. E quando há a participação de policiais, pior ainda. Porque além do corporativismo protetor, existe o interesse de autoridades em geral, declarado ou implícito, de que as apurações não sejam aprofundadas ou não se chegue mesmo à imputação de ninguém. Torna-se mais cômodo.
Como acontece agora, com esse morador da Rocinha, detido por policiais militares e depois por eles liberado, cujo desaparecimento não consegue ser explicado pelas autoridades. Ou no que se refere ao rapaz acusado de portar coquetéis molotov durante as últimas manifestações no Leblon. Tendo sido verificado depois, por um próprio policial militar, que a acusação era improcedente.
Ninguém desconhece nessas manifestações a infiltração de elementos cuja presença destina-se à descaracterização do movimento popular, procurando confundi-lo com obra de vândalos. Quando com vândalos se confundem pessoas recrutadas no próprio meio policial, conforme as gravações veiculadas pela TV, ou outros elementos possivelmente a soldo de autoridades ou governantes.
E então temos o depoimento de uma autoridade policial, considerando um absurdo que se possa pensar que um policial seja capaz de atacar um colega. E logo nos lembramos de que nada é absurdo quando os interesses dos poderosos são contrariados. Tal como ocorreu durante a ditadura instaurada a partir de 1964, quando altas patentes militares chegaram a conceber um plano para a explosão do Gasômetro, nas imediações da Rodoviária Novo Rio, com a finalidade de que fosse o atentado atribuído aos chamados subversivos. Inúmeras pessoas seriam vitimadas. Inclusive policiais. O que só não aconteceu devido à atitude heroica do Capitão Sérgio Macaco, que se recusou a comandar a ação.
Precisamos atentar para o fato de que política e polícia são palavras que, se não têm o mesmo radical, têm praticamente a mesma origem. Segundo as enciclopédias livres virtuais, “o termo política deriva-se do grego antigo politeía”, relativo a procedimentos correspondentes à pólis ou cidade-Estado. E “polícia tem origem no vocábulo latino politia”, que por sua vez resultou da latinização do grego politeía. Referindo-se, de modo geral, a pessoa encarregada da guarda urbana.
Nada mais natural, portanto, que políticos e policiais estejam sempre muito próximos. Uns normalmente servindo aos outros. Mais particularmente os segundos servindo aos primeiros. Na medida do interesse comum. Tratando-se ambos de componentes de um sistema maior em que não necessariamente estão previstos os interesses da população, ou das pólis, a que deveriam servir. Porque tais interesses vão sempre estar em choque com o que o sistema pode admitir.
Por isso, as manifestações resultantes de reivindicações populares devem ser rapidamente esvaziadas ou inibidas a qualquer preço. Valendo-se os políticos – e o sistema por trás deles – dos organismos policiais para esse fim.
Entretanto isso não deve – e não vai – acabar com a esperança dos que reclamam. Pois sempre teremos do que reclamar. Até porque o sistema pode conceder alguma coisa. Mas nunca tudo. Dentro do que racionalmente se pretende.
Se esse raciocínio tiver algum valor, é possível que possamos chegar à conclusão de que quanto mais organizadas e objetivas forem as manifestações, maiores chances terão de serem profícuas. Em termos dos resultados a serem obtidos. Que, em última instância, podem representar a aproximação mais definitiva entre o que reclamamos e a atuação dos políticos e governantes. Partindo-se do princípio, do que entendemos por democracia, de que os políticos devem representar os interesses das pessoas que os elegeram. E não os interesses pessoais.
Nesse sentido, tudo deve estar ligado, pra que depois esteja “dominado”. Ou pacificado.
Vejamos, por exemplo, a situação da TV aberta. Chega a ser perversa a programação desses canais, destinada ao público que não pode arcar com um canal por assinatura. No meio da madrugada, será inútil a procura por um filme de maior conteúdo artístico. Ou mesmo um desses filmes de ação comerciais produzidos em Los Angeles. Deveremos nos contentar com uma espécie de “talk show”, conduzido por um dos nossos grandes comediantes que depois se tornou âncora nesse tipo de programação; com programas prosaicamente chamados de “sem censura”, quando sabemos que a censura na mídia nunca deixará de existir; com “enlatados”, de questionável teor cômico, de quinta categoria que por certo não fazem sucesso nem nos países onde são produzidos; ou com os canais (evangélicos) especializados em fazer com que as pessoas “parem” de sofrer, direcionados sem a maior desfaçatez aos que experimentam situações de grandes dramas e sofrimentos pessoais. Que, de madrugada, ganham maior proporção.
Durante o dia, salvo o noticiário, em que normalmente ficamos mais tristes com os altos índices de corrupção no país, com o surgimento cada vez maior de crimes que não vão ser solucionados, com a habitual truculência da repressão nas reivindicações populares, com a diária demonstração de insensibilidade das autoridades diante dos problemas de saúde que afetam os mais necessitados, etc., ficamos com as “soap operas” (novelas), de 14h às 22h, em média. Sob a liderança de um determinado canal, que é por alguns outros copiado.
Num sentido mais amplo, quando as manifestações populares estiverem mais organizadas e direcionadas, teremos chance, inclusive, de abordar a necessidade de que tenhamos um nível melhor de programação da TV sem assinatura. Por ser mais accessível a todos. Pela contribuição que pode ser oferecida à educação do povo e a possibilidade de que as pessoas tenham um nível melhor de entretenimento.
Maricá, 26/07/2013