Herdeira (homenagem dia do avó(^)s)

A uns seis meses atrás estava na praça conversando com um dessas raras pessoas que conseguem despertar inteiro o meu afeto. Um papo deliciosamente poético - filosófico, a alma nadava de braçadas num mar de encantos, por um leve fresta, eu vislumbrava um mundo de mistérios e doçuras inconfessadas quando fomos interrompidos por um grupo de estudantes do ensino fundamental. Cheios de papéis que fatalmente, virariam lixo e um discurso tecnicista rigorosamente trabalhado nas estatísticas, os jovens testavam nossa capacidade de decorar.... Professores que somos ambos, era difícil escapar da arguição desinteressante e sem fim. O encontro tão custoso estava ameaçado de virar preleção. A moça já tímida de natureza não conseguia conter a impaciência de retornar ao perdido encanto da conversa interrompida. O moço tão difícil, tão arisco a encontros, tão econômico em tempos e afetos, o prazer tão raro da boa conversa. E nós gastando nosso tempo escasso com estatísticas.... De repente, uma sacada genial: Meu companheiro de devaneios diz ao grupo que nós estávamos separados e que aquele encontro era uma tentativa desesperada de me fazer voltar para casa e que o inquérito dos estudantes o fariam perder a essa que podia ser sua última chance. O sorriso pela travessura brotou da alma, expandiu nos olhos espalhou - se tão claro pelo rosto que foi preciso ocultar a face para que os sentimentos tão bem camuflados não saltassem do peito e inundassem todos os horizontes. A tarde passou rápido como passam os momentos inesquecíveis. A despedida fatal chegou. E a vida nos obrigou a seguir seu curso. No entanto, sobrou a lembrança daquele sorriso tão inteiro. Meu vô deu vários apelidos para aquele modo próprio de sorrir: sorriso de gata que quebrou o pote, de menina que derrubou a lata de biscoito rsrsrsrsrs ele dizia que meus olhinhos eram muito fofoqueiros incapazes de guardar um segredo e que por isso quando eu não conseguia manter a "alma espremida" ela derramava na minha cara e eu escondia o rosto pra ninguém ver. Desde que me entendi por gente meu avô já era careca e no dizer dele, eu sou o bicho mais curioso que ele já viu na face da terra.( uma injustiça isso!!! KKKK) Então, eu sempre pedia para ele me contar como tinha ficado sem cabelo. Ainda hoje é uma das minhas histórias preferidas.Para a neta que (se sabia a predileta) a história era uma epifania do sagrado. O sagrado que se guarda na imaginação humana capaz de transformar sofrimento em graça e leveza. A neta amava ouvi - la. Todas as mil versões que ele fez dela. Ele fora picado por uma Urutu cruzeiro ( uma cobra tão venenosa que tem uma estrela na testa como marca pra ninguém se aproximar) mas, ele nunca respeitou essas coisas ruins. Daí que trabalhou no sol o dia inteiro e começou a sangrar por todos os poros a noite.Assustada minha vó chamou um curandeiro que (para que ele melhorasse) o deixou dependurado de cabeça para baixo por quase um mês e lançou uma maldição(adoro essa parte) na cobra que ela seria obrigada a carregar os cabelos dele pro resto da vida para nunca mais colocar outro cristão naquela condição. Ele sarou completamente, só ficou livre de ter que carregar cabelo desde aquele dia. Ele tinha um talento especial para fazer essas histórias virarem verdade e eu nunca me cansei de ouvir essa história desde que aprendi a falar até o dia em que meu avô morreu. Um pouco antes disso, eu devia ter uns oito anos, ele estava contando essa história pra alguém e apreciando o contentamento na minha cara. Quando assim do nada, falou com a pessoa que isso aconteceu quando eu era bem pequena mas, como eu tinha boa memória, devia me lembrar. E, sabe como é, né? Criança não mente não é mesmo, Cieninha? É sim, vô! E foi o primeiro desses sorrisos com o rosto escondido no colo dele. O contentamento expandindo a alma que se derramava no rosto incapaz de caber assim as claras dentro de um simples mortal. Já faz tanto tempo meu vô tão querido!!! Mas, na minha memória você vive e brilha cada dia um pouco mais. Tenho certeza que se o senhor soubesse o tamanho da falta que tua presença me faz, abandonava a eternidade e não morria nunca mais.

Bárbara luiza Magalhães
Enviado por Bárbara luiza Magalhães em 26/07/2013
Código do texto: T4406358
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