MEMORANDUM (crônica de 2007)

O texto abaixo seguiu como COMENTÁRIO de minha Apresentação de um futuro livro de contos, até hoje inédito. Vale pelo depoimento a favor do ARTISTA AMADOR, ainda ignorado e desprezado por quase todos.

M E M O R A N D U M (crônica de 2007)

"Aportei" em Belém do Pará na madrugada de 9 de dezembro de 1983... às 4 e pouco da manhã. Esperei sentado até as 6 hs para ligar para a esposa de meu irmão rico (minha cunhada?!), porque eu estava sem dinheiro para o táxi.

Autorizado, fui para a fila dos táxis, 10 ou 15 enfileirados... um deles arrancou a mala de minhas mãos e a levou para um carro lá no fim da fila. Os demais me "peitaram", queriam que eu fosse buscar a bagagem de volta. Ainda não conhecia o Estado, disse-lhes com frieza que êle que a trouxesse de volta.

Foram uns seis brutamontes para lá, arrancaram o cara e a mala no tapa e me botaram no primeiro veículo, rumo ao bairro do Jurunas, onde a esposa do mano me recebeu na rua quase nua.

Assim começou minha aventura amazônica... cheia de desventuras e aborrecimentos sem conta, a maior parte deles desnecessários e que denigrem o nome do Estado e a tradição de hospitalidade de seu povo, de boa parcela dele, pelo menos.

Passados HOJE exatos 24 anos neste "pará-íso" o que ainda me motiva e comove nestas terras é a certeza de que não há no Brasil inteiro outra região com tantos e tão variados talentos artísticos natos/naturais, não aprendidos em escolas ou cursos específicos.

É impressionante a quantidade de pintores/escultores/artesãos da palha e do barro/músicos e escritores de todos os gêneros que nascem/crescem/morrem sem um mínimo de atenção e apoio de seus Prefeitos, sem nenhum interesse da parte de vizinhos e dos demais moradores de cada localidade.

São hoje 143 ou 144 municipios e praticamente EM NENHUM há quadros ou obras de arte de seus munícipes nos prédios públicos, nas escolas dos bairros, EM LUGAR ALGUM DA CIDADE. Escritores e poetas morrem à mingua, enquanto se gasta o ano inteiro com bailes & bingos regados a muita bebida, esse nefasto trio que atrasa o progresso deste Estado, muito mais do que Prefeitos/Secretários corruptos, outra praga de monta por aqui.

Se um dia as coisas mudarem, a AMAZÔNIA poderá esportar CULTURA e não mais madeira ou bois ou ervas ou qualquer outro produto que não seja arte e talento e criarividade. OREMOS !

"NATO" AZEVEDO · Ananindeua, PA

9/12/2007 17:37

A D E N D O:

A história do taxista acabou contada num desenxabido "cordel" -- cujo título era O INFERNO DA CASA PRÓPRIA -- com o qual concorri no Edital 001/1990 da SECULT estadual, com a promessa de edição dos 3 melhores trabalhos.

Meu amigo e parceiro de dupla sertaneja (na mesma época) ABIEZÉR Eleutério da SILVA foi um dos vencedores... jamais foi publicado. Essa falta de palavra dos órgãos oficiais é um comportamento constante em Belém, atitude que parece não envergonhar prefeitos e nem seus Secretários ditos cultos.

Aqui em Ananindeua, 3º município em arrecadação no Estado, a PMA me negou míseros R$ 160,00 em 2005 para que o logotipo dela constasse em uma coletânea com um poema de minha lavra, no RS, verba essa prometida durante 3 meses.

A seguir, trechos do desarvorado "cordel" -- que virou "cinzas' em meados de 2009, junto com 8 ou 10 cadernos de poemas meus -- sobre as agruras de se conseguir uma casa própria e o inferno que segue para mantê-la:

I I I

Chamado por amigo cá do norte

que inistiu co'o cara um ano inteiro

um sujeito largou o Rio de Janeiro

onde tinha um barraco de bom porte

e mais praia, bom samba, muito esporte.

Chegou tomando chuva de verdade

desde que poz os pés nesta Cidade.

Assustou-se já na Rodoviária

quando um cara com cara ordinária

lhe arrancou a bagagem com vontade.

I V

Disparou o homem com ela pr'um carro

parado quase lá no fim da fila

e a galera da frente intranquila

imprensou o turista noutro carro.

-- "Mocinho, você está tirando sarro

com "motora" de táxi tarimbado.

A gente 'tá contigo muito irritado!

Tire a mala daquele indecente,

bote ela no carro lá da frente

se não vais sair daqui embolachado"!

V

O carioca achou tudo muito estranho

mas pensou: "cada terra tem seu 'stilo".

Foi falar com o cara sobre aquilo

sem saber da confusão o tamanho.

O "motora" vacilou... (e se eu apanho!)

Devolveu sua mala sem problema.

Assim terminou este dilema!

Seguiu no carro até a redondeza

para a casa do amigo (que beleza!),

a mansão parecia de cinema.

V I

O "barão" o recebeu bem constrangido.

Logo botou o amigo "no batente"

junto com um pedreiro competente

prá trocar o ladrilho envelhecido.

O carioca quedou estarrecido

porque o outro era quase um irmão

e agora parecia (essa não!)

o Diabo disfarçado em gente boa.

Virara um ricaço bem à toa,

pão-duro, prepotente, espertalhão.

V I I

O amigo rico só pensava em dinheiro

e comprou um sítio no interior.

Era mato, cobra e muito calor,

areial, escorpião e formigueiro.

Lá não tinha sequer um fogareiro

e nem mesmo um barraco prá morar.

Fazendeiro "benquisto" no lugar

deu pro outro barraca só de lona,

além de lamparina de mamona

e uma latas para o alimentar.

"NATO" AZEVEDO · Ananindeua, PA

10/12/2007 17:27