A Versão do Homem

*

Tratei logo de procurar minha blusa polo escura, modelar o cavanhaque, pentear o cabelo. Estava agendada uma apresentação na Lapa com a minha irmã. Evento importante. Preparei a case do meu cavaquinho, afinei-o e guardei. Bastava apenas mostrar presença no estabelecimento e aguardar pela minha parenta. No ônibus, sentado com a cabeça apoiada nos vidros vibrantes, voltava a imaginação para o show. Não estava nervoso, mas é impossível não imaginar a cena daquele pessoal sambando, bebendo, dançando. Mulheres com vestidos curtos e justos, segurando copos de cerveja; homens ora apoiados sobre mesas tomando seus drinques e mastigando seus tira-gostos ora dançando com a esposa, amante, acompanhante, familiar, o que for.

Ao chegar, procurei os outros homens do grupo, arrumamos o surdo, a bateria, os instrumentos e as caixas de som. Éramos seis, excluindo a cantora. Tínhamos violão, harmonizando perfeitas baixarias; um tantan fazendo a levada; um surdo marcando; um pandeiro estremecendo; um grande amigo meu, tocador de Banjo e eu no cavaco. O grupo estava completo e não víamos a hora de começar a “pagodear”.

Às onze horas da noite, o bar do amigo já encontrava-se bem cheio, mesas preenchidas, baldes de cerveja e bastante gente. Vira e mexe tornava a olhar ao relógio, apreensivo com a demora da minha irmã – como devorava. Avisei ao grupo para que fôssemos aproveitar a noite. Juntamo-nos a uma mesa, pegamos nossas cervejas e bebemos, jogando conversa fora. Era um assunto muito agradável, no meio daquele barulho de gente, barulho de mesas, cadeiras.

Ao olhar para uma das portas de entrada e saída do bar, lá vejo minha irmã, muito bem arrumada: com um saião preto com uma blusa sem mangas listradas em vermelho e branco; cabelos lisos soltos, morenos e loiros. Ao seu lado, quando menos esperava, lá vejo meu pai, com um chapeuzinho e um bigode, meio branco, meio amarelado; ao lado da nossa cantora. Juro que fora uma alegria tremenda. Minha irmã tratou de cumprimentar os rapazes do grupo com tamanha simpatia, que também foi respondida com belos sorrisos dos homens à mesa.

Enfim estava tudo pronto. Subimos ao palco, ela posicionou o microfone, equalizei o cavaquinho, tornei os olhos à trás, balancei verticalmente a cabeça e demos início ao samba.

Logo de início, as pessoas aproximaram-se e começaram a dançar, sorrir, gargalhar, beber. Ora eu olhava para o público, ora olha para o instrumento. A música estava maravilhosa, a harmonia perfeita, a percussão inquestionável e o vocal lindo. Na frente ao pequeno palco que nos posicionávamos, lá estava ele: o velhinho de chapéu e bigodinho. Quem mais? Meu pai, batendo suas palmas e cantando conosco. Seu maior orgulho era assistir às apresentações dos filhos.

Depois de cantar sucessos de Almir Guineto, Cartola, Alcione e outros ícones da musica popular brasileira, a irmã toma o microfone:

- Gente, muito obrigado a todos. Obrigado grupo, irmão, rapazes. Bom, estaremos dando um intervalinho básico, ok? Daqui a pouco voltamos. Enquanto isso vou deixar meu pendrive aqui tocando. Olhem, o samba ainda não acabou minha gente. Tem mais.

Cautelosamente pus o cavaquinho sobre a case, desci do palco e fui tomar umas cervejas. No caminho, alguns casais, uma mulher sozinha. Nada muito incomum para mim, diante do costume de bares. Apoiei-me sobre a bancada alta, encostei um dos cotovelos sobre a madeira, cruzei as pernas, mesmo em pé, e fiquei tomando minha “geladinha”. Tão boa e tão refrescante. Do outro lado: minha irmã na companhia de meu pai.

Ao beber, havia percebido uma moça me olhando constantemente e de primeira, não esbocei ação alguma. Até então achei super normal depois de uma apresentação as pessoas ficarem nos espiando, por estarem perto de nós, artistas, figuras públicas ou ícones de um lugar. No entanto, o olhar da mesma mulher, que encontrava-se sozinha na mesa próxima à minha bancada, era profundo, sem vergonha e por segundos amedrontador. “Por que ela está me olhando? Será que estou sujo?” Olhei para a camisa, para as axilas e não vi nada de errado. Vergonhosamente, suspendi o copo, levantei uma das sobrancelhas e mostrei um sorriso para a moça a frente. Juro que foi um momento de vergonha. Não tive ações, aquela mulher ficou, na linguagem popular, me “secando”. Talvez tenha sido por pouquíssimos instantes, mas a partir do momento que prestei atenção, aquela situação se tornou meio chata e constrangedora.

Felizmente a minha irmã chegou e pude me concentrar somente nela. Ali conversamos, tomamos mais alguns drinques e já preparávamos a volta ao palco.

Após subirmos, já com todo o grupo reposicionado, a irmã pegou o microfone e dedicou uma canção ao nosso pai. Pude perceber o brilho nos olhos do meu velho e a emoção nos olhos da menina.

- Gostaria de dedicar de coração esse samba ao nosso pai. – Pegamos os instrumentos e começamos a tocar Benito di Paula.

Todos os visitantes ficaram emocionados com a homenagem, transformando a noite mais do que especial e importante para a família. Depois da música dedicada, tocamos mais umas cinco músicas, quando a irmã põe seus playbacks a tocar e cantar sozinha. Lentamente, nós do grupo fomos saindo; não queríamos chamar atenção. O momento de ela cantar sozinha também fazia parte do show. Nosso dever fora cumprido e não subiríamos mais para tocar. Nosso show havia acabado e eu desci por definitivo do palco.

Guardei o cavaquinho, o segurei e fui a um balcão comer algum petisco, uma lingüiça, uma coxinha...

- Parabéns! Você toca muito. Adorei te ver.

Estranhei aquela voz vinda da minha direita, foquei a visão e veio o susto. Não um susto com o rosto da pessoa, mas sim um susto por ser uma pessoa – que ironicamente era a mesma que ficara me espiando sem pudor a momentos atrás. Engoli rapidamente o resto do salgado, segurei a tosse e agradeci ao elogio com um sorriso simpático. No primeiro momento fiquei com medo da mulher, mas vi a tamanha ternura a qual aquela morena dos olhos escuros fora esculpida. Ela não era uma mulher espetacular, uma perfeição corporal, um ícone da luxúria nem nada, mas o conjunto da obra deixava-a fina e elegante. Não tive olhos apurados antes, mas arrisquei, ainda despretensiosamente.

- O que faz uma jovem moça sozinha perdida em um lugar como esse há essa hora?

- Estou procurando afastar as desilusões da vida com uma música boa. – respondeu a moça, com poder no argumento.

- Ótima forma de afastar. Gosta de música também, não é. Com licença. – afastei-me e fui prosear com o grupo. Até comentei sobre a moça que me parara antes. Alguns olharam com gosto e outros com desgosto. No final, com um senso comum, concluíram:

- Deve ser boa de cama. – todos nós gargalhamos. – Pois é. Garanto a vocês que até o fim da noite eu chego nela. Querem apostar? – Flávio, nosso violeiro, riu e duvidou.

Após vinte e cinco minutos, olhei para o rapazes e disse:

- Vou lá agora. Prestem atenção de como se faz.

Lentamente fui chegando ao banco da morena de cabelos cacheados e antes de apresentar-me, ela olhou-me, brilharam os olhos e, já esperando a minha vinda, disse:

- Ela é incrível! Que voz suave. É adorável ouvi-la. – Certamente falara de minha irmã, ainda no palco, vésperas do término. Fiquei surpreso e incrédulo. Não imaginava que ela fosse falar aquilo. Na verdade, não imaginava que ela falaria. Eu me imaginava puxando o assunto delicadamente. Ela havia arruinado meu plano inicial. Respondi os elogios com um sorriso de canto de boca, muito orgulhoso com as palavras, mas estatizado com a situação.

- Minha maninha é realmente incrível. – depois da resposta que dei, ela começou a mostrar que entendia de canto. No início, não gostei do rumo que o “desenrolo” havia tomado, mas seu conhecimento em música chamou-me a atenção. Lentamente comecei a interessar-me ao assunto enquanto a morena tagarela não parava de falar. Eu às vezes ouvia, mas o seu corpo começava a me excitar, e com certeza foi o fator determinante para eu compreender pouco do que a mulher falava. Eu precisava tomar as rédeas da conversa.

- A senhorita me parece entender tão bem de música, pode me dizer seu nome? – Arrisquei a pergunta para quebrar o gelo e mudar o caminho da prosa.

- Você costuma ser tão curioso assim com todas as moças que frequentam seu show?

- Ué! Você quem veio conversar comigo! Mas tudo bem, se não quiser me dizer como a chamam. Sua personalidade me convém.

- E você? Gostaria de me dizer seu nome? – a morena gargalhou antes da pergunta.

- Eu? Dizer para que? Acabar com a nossa brincadeira misteriosa? Não... Sou duro na queda também, minha filha. Acha que vou responder tão facilmente depois da sua negação à minha pergunta? Bom, fique aí! Já volto. – Virei às costas para a moça, mas olhei para seu rosto e para seus quadris bem afortunados. Acredito que ela tenha gostado do olhar, pois mirou para o chão e riu, bem envergonhada.

Ao voltar para pegar mais cervejas e algumas comidas, para eu comer junto com a morena acompanhante, um integrante do grupo, o percussionista Sérgio Sião, logo apontou para a moça, que já de costas para mim, apanhara o casaco e direcionava-se a sair.

- O rapaz, vá logo! Deixe essas coisas aí! A mulher está indo embora! Tu falou besteiras para ela? O que veio fazer aqui, meu irmão?

Concordei com o dito de Sião e fui correndo ao encontro da moça. Fiquei pensando porque eu havia a abandonado, já que ela mostrava bastante interesse em mim. Castiguei-me com um idiota. Aproximei-me, peguei-a e puxei-a forte pelo braço esquerdo. Já era tarde e estávamos no portão de saída do bar.

- Espere! Não a deixarei sair sozinha essa hora da noite. Vou te levar até o ponto mais próximo. Me espere aqui! Vou apanhar o casaco.

Encarei o repúdio do pai, por abandoná-lo e preferir uma mulher, mas sinto que valia o esforço. E minutos depois da nossa saída, eu já encasacado, ouço a afirmativa:

- Poucos acompanhariam uma estranha.

- E poucas aceitariam a companhia de um estranho, por ruas desertas e perigosas. Sua mãe nunca lhe disse para não aceitar nem responder nada de uma pessoa que você que não conhece? – repliquei.

- Pois é, mas olhando para você não vejo perigo algum. – Treplicou lançando indiretas com o olhar e com a boca, como por exemplo: mastigar levemente a parte inferior dos lábios.

Aproveitando o clima frio e através de um ato estritamente intuitivo, formei um breve trocadilho paradoxal para quebrar o gelo:

- Nossa! Mais que frio infernal!

Rimos juntos com ela aproximando-se do meu corpo já fervente. O assunto corria solto e atravessa diversas barreiras. Já bem próximo ao ponto, e com o fluxo de veículos públicos circulando razoavelmente, optei por deixá-la esperando, mesmo que fosse contra a minha vontade e contra o meu desejo. O problema maior era que eu já estava um tanto longe do barzinho e temia por preocupações do pai.

- A Moça, a senhora, a senhorita ou seja lá como queira ser chamada. – Ri e expressei sinais de desdenho e despreocupação. – já tem algum compromisso marcado para a próxima semana?

- Não... Pelo jeito ainda não.

- Pois agora tem! E eu não aceito um “não” como resposta. Vamos sair na semana que vem?

- Tudo bem! Será uma alegria tremenda. Anote o número do meu telefone e me liga. Assim podemos ver melhor as coisas. – Esbravejou a mulher, radiante.

Anotei o número, mas eu queria mais. Queria um beijo, um abraço, um calor naquele frio. Ela não se pronunciou mais e eu estatizei-me. Finalizei com um singelo gesto de adeus e virei. Três passos após, não acreditei no que havia feito. Eu correria o risco de perdê-la e nunca mais vê-la, mesmo com o número de telefone anotado. Despertei o homem e a exclamei.

- Ei! Vem cá! – Cheguei perto delo muito rápido, avassaladoramente. – Vamos acabar logo com isso! – Puxei-a pela mão, já trêmula e nervosa, vi seu sorriso de ponta a ponta e larguei um belo beijo. Saciei minha vontade, meu desejo e meu querer. Busquei a ousadia e pus a mão sobre suas nádegas, sendo rapidamente repreendido por ela. Percebi como ela havia se entregado a mim. Sua boca era minha, só faltava seu corpo fervoroso sobre mim.

- Uau! Nossa! Preciso ir, rapaz. Uh, meu Deus. – Desgrudou seus lábios dos meus, ajeitou suas saias curtas e despediu-se, abrindo a porta do taxi e entrando. Olhou para mim e fez sinal de telefone, mostrando que me ligaria. Acenei positivamente e fui embora.

Juro que na hora eu era um homem satisfeito, com uma vasta autoestima e sentimento de dever cumprido, assim como um soldado de guerra, um atirador de elite, um conquistador. É! Eu estava me sentindo “o cara”, “o conquistador”.

*

Já no meu apartamento, umas dez quadras do bar, acordei bem animado, realizado. Imagino que a moça tenha acordado apaixonada e melosa, enquanto eu olhava a vizinhança pela minha janela tomando uma xícara de café com leite e me sentindo um rei, um nobre, um super homem. Aquela mulher me ferveu, me excitou, me deixou enlouquecido. A vontade que dava era de arrancar suas roupas ali mesmo e sentir seu cheiro, seu suor, sentir seu corpo.

“Oi, bom dia. Sou aquela moça de ontem, lembra?” Mensagem de texto do celular. Li e respondi. Depois de minutinhos, a mensagem tornara-se uma conversa informal. Eu dava respostas simples e descompromissadas enquanto preparava uma vestimenta para o evento que eu tinha de tarde. Avisei-a educadamente que tinha uma festa e não poderia mais ficar dialogando pelo telefone. Ela respondeu com um “tudo bem, divirta-se”.

Vesti minha blusa de botões, calças e sapatos brancos. Liguei para um taxi, que buscou-me e levou-me para outro bairro. Era a festa de um colega de trabalho, que fora promovido na nossa firma e resolveu comemorar regado a bebidas e comidas no seu próprio apartamento no centro da cidade, próximo ao palácio do Itamaraty. Da festa em si lembro pouco, mas que tinha muita cerveja e destilados, isso tinha. Eu estava tão feliz naquela festa e na síntese: bebi muito. Fiquei bêbado e louco, louco.

A mulher não me procurou mais e dois dias depois, lembrei-me do encontro marcado, mas como ela não havia me procurado nos últimos dias, resolvi deixar de lado. – Se me quiser, me procure. Falei isso já em casa, assistindo televisão com os dois pés, sobre a mesa de centro, cruzados.

Mais dois dias monótonos transcorreram: trabalho, cavaquinho, apartamento, dormir, trabalhar. Senti saudade da mulher, que passou novamente a não mandar mais mensagem de texto. E com um ato carente, à noite, próximo a hora de deitar, enviei-a: “Boa Noite, durma bem”. Deitei a cabeça sobre o travesseiro, lembrei-me do seu olhar escuro, emocionado; do seu cabelo encaracolado, do seu corpo excitante. O barulho de mensagem recebida pelo celular me assustou e vi que era da Menina do Bar, nome apelidado por mim para armazenar na lista de contatos do celular. “Boa Noite para você também! E aí? Como vai?” No fim da noite, as mensagens viraram conversas mais profundas quando perguntei-a como foi a noite passada para ela. Juro que esperei uma resposta elaborada, cheia daquelas besteiras que as mulheres põem nos textos, aqueles bichinhos e onomatopeias, mas fui respondido com um simples “bom”. “Bom”? Só isso? Fiz cara de decepcionado. Novamente o celular toca e me vem outra mensagem dela mesma, sendo essa bem mais elaborada. Talvez tenha se sentido mal em responder um “bom”. “Cara, foi muito bom. Tipo, desde quando entrei no bar, logo você me chamou atenção. Seu jeito de vestir, sua simplicidade, sua simpatia me deixaram eufórica. Passei a te desejar mais que tudo naquela noite, e talvez tenha sido por causa disso que cheguei em você. Você me chamou muita atenção e ter te beijado foi uma fantasia maravilhosa para mim.”

Agora sim! Foram as palavras para que eu precisava ouvir. Encheram-me a moral e o entusiasmo, e para não dar brecha e não amolecê-la, respondi com um “Nossa, obrigado. Fico feliz de tê-la feito sentir isso tudo. Não sou muito de falar essas coisas pessoais, sou meio envergonhado em relação a isso, mas saiba que fiquei muito feliz também. Me envolvi a beça”.

A conversa que tive com a Menina do Bar fez-me lembrar do encontro que eu teria com ela. Mas já estava muito encima da hora e não havia maneira de eu ir. Achei uma falta de respeito fazer isso com moça e mentir sobre a ausência. Mesmo assim, essa seria minha única alternativa.

- Alô? É você? Nossa que alegria! Vem cá, peço-lhe as sinceras desculpas, mas sabe o que é?! A comadre da minha mãe veio a falecer e acho que seria melhor eu prestar uma ajuda, sabe? Desculpas, mesmo, mas não vamos poder sair esse final de semana.

- Ah... Tudo bem então. Queria muito que você viesse me buscar para sairmos, mas acho que até eu ajudaria numa situação dessas. Desejo força a sua família e a você. – fechou a resposta com tom de decepção devido a tamanha expectativa que botara no encontro. Já eu estava aliviado e contornado toda a situação. Havia ficado muito difícil marcar com ela tão encima desse jeito, por isso a alternativa foi mentir. Ela nunca ia descobrir que isso não é verdade. Mal sabe da minha vida! Como vai saber quem é a comadre da minha mãe? E como ela vai saber quem é minha mãe? Nunca.

No fim do dia, novamente, me vem outra mensagem de texto, da mesma Menina do Bar. “Oi, como você está? Seus familiares estão melhores?”. Respondi que sim, mas comecei a sentir repúdio pelo sufoco que essa mulher estava me causando. Ela resolveu marcar nossa saída para o dia seguinte, e mesmo um pouco de desentusiasmado e sem entregar-me de corpo inteiro e causar desejo, respondi um “talvez” bem chocho. Na minha cabeça era certo de eu ir, mas queria que ela me desejasse mais, me sonhasse mais. Fui maldoso e sem coração nessa hora.

O problema maior era que toda vez ela enviava-me mensagens puxando conversas na hora que eu menos queria. Ao final da vaga conversa “pré-sono”, fechei os olhos e retruquei: - Que mulher tagarela!

*

Logo de manhã, a mandei uma nova mensagem confirmando presença. Acho que a fiz sofrer demais e resolvi ser mais gentil e amável. O “talvez” virou um “sim”. Escolhemos um lugar mais quieto, mais íntimo e mais aconchegante. Marcamos em uma praça próxima a nós, pouco visitada durante às vinte e trinta, que determinamos.

Arrumei-me com uma bermuda cor neutra, camisa comum de mangas normais e um par de chinelos. Barba mal feita e o mostrava-se cabelo recém-cortado. A Menina do Bar viera com um shortinho jeans, sandálias rasteira rosas, cabelos encaracolados presos por trás da cabeça fazendo um volume pomposo e charmoso sobre minha visão, e uma blusa branca muito bem decotada, mostrando os charmosos e desenvolvidos seios. Cumprimentamo-nos e sem perder tempo, depois de uma vaga conversa despretensiosa, pedi uma dose de beijo maior que da ultima vez. No primeiro instante, a morena não compreendeu e sorriu disfarçando um pouco do seu desconforto notável. Para esclarecer e não gerar dúvidas, eu falei de peito aberto:

- Hoje eu sou seu. Me leve para onde você quiser. O lugar que você escolher: será!

Menina do Bar mostrou-se extremamente contente, mas um pouco submissa a mim. Mesmo com o meu dito, fui eu quem tomou as ordens da pequena caminhada pela pracinha meio escura. Escolhi uma esquina silenciosa, sensual e pouco iluminada; e sem trocar uma palavra nos beijamos. Ela não conhecia ainda meu lado mais carnal, mais rude e viril. O beijo tomava um desenrolar quase erótico com minhas duas mãos sobre seus glúteos forçando sobre meu corpo, já quente e excitado. Saí da boca, desci para o pescoço, ouvi seu suspiro, e tornei a beijar aquela pele quente, rica em hormônios do prazer. Em mim, ela nada fazia, apenas deixava as mãos ora ao meu rosto ora ao meu cabelo, enquanto eu abusava do seu corpo ardente. Tirei uma das mãos e pus sobre seu seio esquerdo. Naquele momento eu fervi e exalava desejo, vontade e “quero mais”. Ele me abraçava, eu a apertava, a beijava, apalpava e abusava. De nós saíram faíscas, uma erupção de excitação e romance.

No final do beijo, me despedi e dei um belo sorriso. Andamos para o ponto e peguei um dos últimos ônibus da linha no dia. Mais uma missão cumprida: fazê-la conhecer meu lado feroz, fazê-la apaixonar-se por mim. Gostaria que ela tivesse feito mais coisas comigo, mais toques, mais cheiros, mais beijos; no entanto nada ouve. Acredito que talvez fique para a próxima. Talvez fique para a próxima.

*

Depois do episódio anterior, passamos a nos ver com mais frequência, mas nada muito fora do comum. Ainda era difícil o encontro, porém mantivemos os fachos sossegados nas outras vezes;

Durante a tarde, Menina do Bar convidou-me para assistir a uma peça no teatro. Aceitei ao convite e assistimos à uma maravilhosa peça de comédia. Ao final do espetáculo, a menina pergunta:

- Vamos para minha casa hoje? É um apartamento simples aqui no centro também. Quero te mostrar minhas habilidades culinárias. - Fiquei bem animado e neguei ausência. Minha presença era certa. Sorri e fiquei pensando “Hoje tem, hoje tem”. Infantilmente, mostrei um sorriso de canto de boca e a moreninha percebeu. Olhei sem graça e disse que não era nada; só alegria.

Durante o caminho brincamos com o mistério dos nossos nomes, motivo pelo qual não sei por que não fora revelado. Achava coisa de maluco, mas ela gostava. E seria até melhor que ainda não soubesse meu nome. Para mim era bem melhor chamá-la psicologicamente de Menina do Bar – nome até simpático ao meu ver.

- O menino, preste atenção, quando acontecer algo muito especial, nos apresentamos os nomes.

- E que fato especial é esse, hein? – Levantei as sobrancelhas, sorri e esbanjei “canalhisse” na pergunta.

- Nada em mente.

- Ah, que pena. Pensei que tivesse. – Fechei o assunto já tramando planos para a noite.

Depois de mais alguns minutos de vaga prosa, saltitando Menina do Bar fora buscar a lasanha, seu prato especial, que mostrava-se muito bem preparada. Bastante queijo, frango desfiado, várias camadas de massa e regada a vinho. Minha boca encheu d’água e logo fui traçando o prato com a taça de vinho à direita. A morena também deliciava-se com a comida que preparara, e tornando, frequentemente, a visão ao meu rosto, um pouco sujo, sorria e sentia-se honrada pela minha presença. Pouco a pouco, o vinho deixava-me zonzo e com pequenos sinais de embriaguez. A pouca vergonha corria de mim, e ao final do jantar, levantei-me à mesa, peguei seu braço e arrebatei-a. Juntei seu quadril ao meu, com força, determinação e pegada. Ela se quer pronunciou-se, apenas mostrava-me que seu corpo, hoje, era meu.

Enchi-a de beijos, abraços fortes, apalpes. O envolvimento era exorbitante, nossas mãos riscavam as costas, começamos a girar, ela me empurrava, eu mostrava força; derrubamos algum objeto de plástico pelo caminho, lambi seu pescoço, suspendi seus cabelos à nuca, peguei com força sua cabeça. Queria mostrá-la que eu era mais a que nossa ultima vez.

Submissamente, ela se entregava, jogava a cabeça para trás entregando-me os ombros, a boca, o pescoço. Eu já estava excitadíssimo, transbordando de prazer, suando e morrendo de calor.

Em meio a esse empurra-empurra, paramos no seu próprio quarto, abrindo com virilidade a porta. Ela jogou-me na cama. Fiquei parcialmente deitado, apenas com as pernas fora do móvel e a cabeça suspensa. Menina do Bar ficou próxima de mim, de pé, e sacou a camisa, mostrando-me o belo busto com um sutiã preto e se lançou sobre mim. Agarramos-nos, rolamos na cama e eu arranquei-la o lingerie, entregando, por inteiro, seus seios a mim. Suei, tremi, gostei e toquei. A moça, também entregue e derretida, pôs as mãos em meu cinto, desarmou-o e tirou minhas calças. Já estávamos inteiramente nus, livres e soltos. Não parávamos de rolar, de nos tocarmos, de nos beijarmos, abraçarmos. E no final de toda aquele agarramento e pouca vergonha; transamos, fizemos amor e “sensualisamos” a noite.

*

- Te amo, tá? – disse Menina do Bar. Suspirei, não esperava palavras tão fortes e sinceras. Engoli seca a saliva e para não desapontá-la: - Também. Eu começava a vislumbrar que aquela relação seria problemática, pois indesejavelmente, meu afeto por ela não fora recíproco. Embora a respeitasse e a admirasse pelas atitudes, meu coração não despertou do sono. Pena.

Nós estávamos na cama, cobertos e abraçados, depois da bela relação que tivéramos há poucos minutos. Ela debruçava-se ao meu peito e ouvia meus transpiros, silenciosa. Lentamente, diante do silêncio e tranquilidade, adormeci leve e aliviado. Nem um “boa noite” eu disse-a.

Às sete da manhã, rapidamente levantei e precisei ir embora. Pus a calça, vesti a camisa e migrei à cozinha. Lá peguei alguns pães, meio murchos e duros, e preparei um suco de abacaxi. Depositei-os sobre a mesa, acompanhados de um pires, uma xícara vazia e um pacote de biscoitos de maisena, que também achara pelo cômodo. Comi nada e procurei por um papel e uma caneta, para escrevê-la uma carta. Sentei-me à mesa do café, pus a mão esquerda sobre a testa, apoiado com o cotovelo, e comecei a pensar em o que escreveria.

“ Bom dia, princesa! Queria te agradecer pela noite incrível que você me deu. Sinto muito, mas acho que isso não acontecerá mais. Você é uma mulher de se casar, merece ser valorizada. Esse homem não será eu. Peço-lhe desculpas, mas saciei meu desejo e dou um ponto final à nossa relação. Gostei de saber seu nome, na hora da cama, mas o anonimato me fez eu te chamar de Menina do Bar. Você já tem um espaço tremendo na minha memória, mas não dá, não rolou algo mais e achei melhor da um fim. Resumindo: Aprecie o café que preparei, desculpe-me e quem sabe um dia voltemos a nos ver. Beijos. Sambista do Bar.”

Reli à carta e achei trechos pontiagudos, fortes e chatos de serem lidos para o destinatário, todavia era necessário terminar com o caso. Achei melhor cortar pela raiz do que fazê-la mais iludida que agora ela encontrava-se. Nessa hora, dessa bela manha de sol recém saído, Menina do Bar dormia e saí, silenciosamente de sua confortável casa.

*

A minha vida seguiu normal e voltara a como era. Disse aos meus amigos pagodeiros que ela era um estouro na cama e concluí a missão. Todos nós demos risada, tomamos nossa cerveja e eles bateram no meu peito, orgulhosos.

Em casa, antes de dormir, me veio uma mensagem da Menina do Bar fazendo a pequena pergunta: “Por que, hein?”. Repudiei o texto, bloqueei o celular, virei e dormi, aprontando-me para mais um dia de expediente.

Gabriel sCardoso
Enviado por Gabriel sCardoso em 24/07/2013
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