Fugindo de Casa

O plano era audacioso: Cruzaríamos a fronteira sem permissão e sobreviveríamos ao perigo mortal de morrermos sufocados pelo tédio que se espalhava por toda a cidade.

Refizemos os nossos planos, estudamos os mapas e todos os planos B,C e W O. Contamos o nosso mantimento e ao raiar do dia, começamos a nossa jornada para uma nova vida. Robson e eu sabíamos dos riscos; havíamos calculado cuidadosamente tudo o que poderia dar errado e saímos de nossas casas com a confiança que todo menino de 13 anos possui: Éramos invencíveis, indomáveis e fugiríamos de casa pela primeira vez.

Não sofríamos maus tratos; nem buscávamos pais ausentes que sumiram misteriosamente quando foram comprar cigarros. O que nos empurrava para fora de Cajazeiras era a vontade de escapar daquele gás misterioso do tédio que transformava todos em zumbi. Os habitantes da cidade andavam de um lado para o outro como se fossem mortos-vivos. Não havia mais brilho em seus olhares, apenas o vazio de quem não via nada no horizonte além do dia seguinte. Eles não viviam, apenas vagavam pelos cantos da cidade em busca de seus cérebros que foram perdidos em algum momento durante o marasmo em que suas vidas se tornaram.

Robson era tão lúcido quanto eu, mas ele quase tinha sido pego pelo gás. Certa vez o encontrei vegetando em frente à TV assistindo o Chaves. Por pouco, consegui resgatá-lo e depois desse perigo, decidimos que fugiríamos para alguma cidade em que o time de futebol atuasse em algo mais profissional que a 13º divisão. Nosso plano era sair da cidade pegando carona e chegarmos até Souza, a 30 kms dali e de lá, ganharíamos o mundo.

Sair da cidade foi relativamente fácil. Ninguém desconfiou daqueles dois meninos com mochilas nas costas, nem mesmo o camburão da policia que passou e acenou para nós. O problema era que não conseguíamos carona. Ninguém parecia entender o olhar daqueles dois meninos que imploravam: “por favor nos levem daqui e nos salvem da maldição dos zumbis”.

As horas foram passando, o sol esquentando e após a 5º hora de caminhada, fugir já não era mais tão divertido. Robson começou a se queixar de dores nas costas, nas pernas e que perderia o episódio do Chaves daquela tarde. Eu comecei a perceber que uma idéia idiota fica mais imbecil ainda quando colocada em prática a dois e prometi a mim mesmo, que se tivesse outra idéia estúpida, não envolveria mais ninguém. Então num desses momentos cruciais de nossas vidas em que desistimos de um sonho por não termos condições ainda de realizá-lo, demos meia volta e começamos a marchar de volta para casa.

5 horas depois, pisamos em Cajazeiras. Esgotados, famintos, e profundamente humilhados, passamos novamente pelos policiais no camburão, que pareciam rir da nossa cara, mas estamos felizes de termos voltado. Bastou algumas horas longe da cidade para percebermos que Cajazeiras, afinal, não era tão ruim assim. Afinal, o problema não era o local e sim a maneira como as pessoas viviam ali e fizemos um pacto de não deixarmos o tédio nos dominar. Bastava permanecer acordados e lúcidos que havia algo a mais além de dormir ,acordar, comer, estudar, comer, fazer dever de casa e dormir. Havia sempre alguma coisa que poderíamos fazer para não virarmos zumbis, mesmo que houvesse algumas recaídas...

- Que horas começa mesmo o Chaves?