100% misturado
Hoje vi, ao deliciar minha namorada com seu gozo consumista, em um shopping, um rapaz, que aparentava uns 20 anos, vestido com uma camisa em que estava escrita a frase: “100% negro”. Achei estranho. Em primeiro lugar, porque não havia no rapaz nada que o pudesse ser confundido com um 100% negro. Em segundo, porque, em um mundo em que as culturas estão cada vez mais entrelaçadas, os povos cada vez mais mestiços, o uso de uma camisa daquela soa, no mínimo, insólito.
Então, uma idéia veio-me à cabeça. Mandarei bordar em uma camisa preta com letras brancas a frase: 100% BRANCO. Ah! Como me deliciei com aquela idéia. Passei horas parado – creio que foram mais de três – e pensando, enquanto minha namorada conversava vivamente com os manequins das lojas e com as vendedoras-manequins. Acho que vou aproveitar e fazer uma para ela: 100% QUERO-TUDO-O-QUE-VEJO-NA-VITRINE.
O que pensariam os outros quando me vissem passeando em um shopping com essa estampa branca na camisa negra? Quais seriam suas reações? Receio que talvez não conseguisse chegar a salvo a um abrigo. Provavelmente alguns hematomas apareceriam em meu corpo, que, por pouco, não vestiria adequadamente uma camisa com 100% roxo escrito nela.
100% negro pode. 100% branco não. Revistas que exaltam o valor da raça negra, bandas de músicas e grupos que promovem a cultura negra são manifestações válidas porque vangloriam a raça, mas não discriminam outras etnias. Vejo, contudo, certos grupos racistas negros (e brancos, e pardos, e amarelos, e homossexuais, e… e… e…) que tentam sobrepor seus valores, discriminando e coagindo quem não for de seu grupo étnico ou social. Como se toda ação fosse válida por se estar sob um pano de reações de fundo histórico. Ó Brasil miscigenado e igualitário! Onde estás que não respondes?
Pensando bem, mandarei fazer uma outra camisa: 100% brasileiro. Ou melhor, 99% brasileiro e 1% alguma coisa.