Lembranças de Uma Menina
Que De Repente, Cresceu...
Era assim todas as noites: Beijava minha irmãzinha e eu, depois escolhia um bom livro para nos contar uma historia.Que De Repente, Cresceu...
Minha irmã Ana era um bebê, mas creio que tinha na época o mesmo gosto literário que o meu...
Eu sempre estava atenta na escolha do livro. Acompanhava com meus olhos arregalados na direção do livro que eu mais gostava. Ela sorria, ameaçando pegar outro livro qualquer, e quando flagrava meu tom de reprovação, se voltava ao meu preferido:
— Pirula é uma porquinha. Ela tem um rabo enroladinho, enroladinho... – Contava em tom suave, atenta em minha curiosidade, mesmo sabendo que eu conhecia a historia de cor e salteado. – Um dia Pirula pediu a mamãe para ir a loja comprar uma fita para amarrar no rabinho...
Por muito tempo acreditei que viajava na trama, nas aventuras da porquinha vaidosa que desobedecia a mãe e sempre se encrencava... Mas quando minha mãe deixou de estar presente, percebi que a historia que ela gostava de contar, era exatamente o roteiro do que sentíamos uma pela outra...
— Pode ir filhinha, mas leve a capa e a sombrinha... Me parece que vai chover...
Embora fosse muito novinha para entender as aventuras de Pirula, minha irmã também teve o privilégio de ouvir mamãe nos agraciar com tal leitura:
— De repente a chuva caiu com força. Pirula começou a correr. A chuva caía. O vento zunia. Pirula corria...
A chuva forte. Ainda hoje tenho medo de trovão. Como Pirula que ousou enfrentar o tempo lá fora, aconteceu comigo, na noite em que mamãe se foi... Era tempestade e chovia forte... Muito forte... Pirula conseguiu sua fita, uma bala calou minha mamãezinha...
Eu era tão menina quando tive que deixar tudo para trás... Foi tão difícil crescer as pressas, sem nada entender... Vagando sem rumo em meio a escuridão, a solidão...
Lembro-me dos disparos, de eu como Pirula, correndo em meio a chuva grossa, com meu irmão arrastando eu e minha irmã pelos braços até a casa do caseiro...
Foi a noite em que cresci. A noite que tentei me esquecer...
— Filhinha... Como você esta molhada”, O seu rabinho está todo esticado! Disse a mãe ao ver Pirula chegar debaixo da chuva grossa...
Há, mamãe... Eu ainda te ouço contar. Quando o tempo se acalma lá fora, quando o vento sopra devagar e a chuva não cobre a terra, eu te ouço mamãe... Te ouço contar a historia da porquinha protegida, da porquinha que por mais levada que fosse, tinha com quem contar...
Hoje o barulho que lhe calou ainda ecoa em meus pesadelos. Nem todas as noites são iguais, pois às vezes me cubro de boas lembranças, outras vezes de más. São pesadelos mamãe, coisas que ficaram lá atrás, que foram sepultadas no cemitério pequeno. Coisas que quero e não quero esquecer.
É noite e me pego sozinha lendo o livro fino da porquinha Pirula. Volto às paginas curtas, como se o tempo pudesse voltar comigo... Ele não volta, mas te ouço contar, te vejo me cobrir, e creio mamãe, creio no sonho bom que diz que a senhora esta aqui comigo:
— Pirula chorava baixinho. A mamãe teve uma idéia. Ela enrolou o rabinho da Pirula e prendeu com um grampo. Depois ela secou com o secador de cabelos. A mamãe soltou o cachinho... Agora , Pirula está bonita e feliz outra vez!