O molusco ciumento



 
 
              “ Uma estranha criatura com uma delicada concha translúcida e tentáculos longos e delgados foi reconhecida como uma nova espécie, dizem os pesquisadores.
               O animal incomum, de nome Waldo arthuri, é um tipo de pequeno molusco que se esconde entre os espinhos de ouriços-do-mar.

                Ele foi descoberto independentemente pelos zoólogos de invertebrados marinhos Paul Valentich-Scott, do Museu de Santa Barbara de História Natural na Califórnia e por Diarmaid Ó Foighil da Universidade de Michigan. 
             "É alienigena na aparência", disse Valentich-Scott ao LiveScience. "Tem estranhos tentáculos longos, e apesar de ser um molusco, rasteja como um caracol. Ele tem uma concha minimalista". 
              Esta descoberta da biologia vem confirmar a incrível história do molusco da era  mais antiga, narrada fantasiosamente  pelo escritor italiano Italo Calvino.
             Naquela  época, só havia vida nos oceanos e o nosso Ítalo vislumbrou a existência de um molusco que queria se individualizar. Desejava ardentemente ser diferente dos outros de sua espécie porque se apaixonara por uma molusca,  e bateu nele um ciúme violento.
            Talvez por uma dessas mutações genéticas que  ninguém explica, o molusco foi criando uma casca transformando-o num  caracol.
            Não sei se os meus amigos leitores sabem que o grande astrônomo Carl Sagan dizia que em futuro próximo iríamos descobrir coisas no mundo de arrepiar os cabelos.
            Mas vamos logo ao ciúme do invertebrado, vislumbrado pelo Ítalo e que, no meu parecer, surgiu no período Cambriano e tal sentimento está entranhado nos genes dos seres humanos de maneira irreversível.
            Ouçamos o molusco do Ítalo:  “ Hoje em dia os costumes mudaram, e lhes parecerá inconcebível que se possa enamorar assim de uma qualquer, sem ter convivido com ela. Mas na água marinha em que vivia as ondas punham à minha disposição uma quantidade de informações sobre ela que vocês nem imaginam. Não essas informações genéricas que agora se obtém ao ver, cheirar, ao tocar ou ao ouvir a voz, mas informações sobre o essencial, com as quais podia trabalhar demoradamente usando a imaginação.
            Conhecia-a bem, em suma. E não confiava nela. Era assaltado ora por suspeitas, ora por ansiedades, ora por aflições. Sob uma máscara de impassividade passavam suposições que nem mesmo agora me arrisco a confessar. Mais de uma vez suspeitei que ela me traía, que dirigia mensagens não apenas a mim mas igualmente a outros. Era ciumento, posso dizê-lo, ciumento não tanto por desconfiança em relação a ela, e sim porque inseguro de mim mesmo: quem me garantia que ela compreendera bem quem eu era? Ou mesmo que eu existia? Essa relação que se estabelecia entre nós dois por meio da água marinha – uma relação plena, completa, o que mais poderia dizer?  Quem me garantia que tudo quanto pudesse encontrar em mim não encontraria também em outro, ou em outros dois ou três ou dez ou cem iguais a mim? O que me assegurava que aquela entrega com que participava do nosso relacionamento não seria uma entrega indiscriminada, descuidada, uma orgia (de quem é a vez?)    coletiva?
            Meus amigos e amigas, o ciúme, tão criticado por nós todos, fez com que o molusco secretasse material  calcário, tornando-se, com a evolução, num caracol. A ideia era se tornar um indivíduo único para a sua amada molusca.        
            Isso se deu, meus amigos, há somente quinhentos e trinta milhões atrás. O ciúme é mais velho do que pensava. Outro dia, vi um biólogo inglês dizer que ainda não poderíamos emitir um parecer sobre o ser humano, pois a biologia, ainda,  não sabe quem somos nós.
            Vou aprendendo com a literatura e compreendo melhor aquele meu amigo ciumento, chamado Waldo Arthur (estranha ironia da vida),  que bebendo um chope no bar, sempre me repete:  - “ Amigo,  o que me desespera é não conseguir saber o que minha mulher está pensando...”