Um incômodo profundo da alma.
Algo que venho distribuindo em meus textos e desenvolvendo no meu pensamento é o fato de nossa cultura tolher em todas as instâncias a capacidade crítica e reflexiva do cidadão. Essa capacidade que tanto faria a sociedade evoluir a um nível mental de grande capacidade analítica, e com isso tornando seus cidadãos aptos a uma aceitação maior e melhor de diferenças culturais e regionais, é cortada na sua raiz.
Mas ao longo de todo esse processo de auto conhecimento e desenvolvendo o conhecimento das coisas que me envolvem, uma característica me veio forte e irredutível. O fato de a cada vez que se olha para o lado, vê-se a incapacidade de passar às pessoas que me rodeiam tal tipo de aprendizado. Resguardando-me em minhas reflexões, mais fundo ainda, me vejo extremamente triste, muitas vezes em descobrir o entrelaço da construção de nossa sociedade e como tudo é intrinsecamente construído para que estejamos sempre presos e tolhidos de nossa liberdade mais básica. A da escolha e a do pensar.
Pessoas não conseguem enxergar as atrocidades que cometemos no nosso dia a dia em atitudes impensadas, automáticas em sua proliferação pelas gerações, mas terrivelmente condenáveis se analisadas de modo mais sistemático. O que é de se esperar já que a habilidade de pensar está sendo podada com o passar dos anos, em nosso tipo de educação, na valoração do poder das instituições, que atualmente não tem esse poder automaticamente com o apoio popular e sim através de imposições que se tornam cada vez mais opressoras de um estilo de vida forçado, o qual, a cada dia que passa, chega mais perto de sua própria derrocada.
E justamente com esse fim iminente da falta de justificativa para tantos “porquês”, já que não existem de fato que está a preocupação. Pois para o povo se ver livre de obrigações morais e ideológicas com as instituições que pensavam fazer parte da estrutura social dá um campo de ações muito mais selvagens e indistintas em seu propósito que qualquer outra liberdade.
Libertar selvagens sem consciência e auto controle poderia ser uma das piores maneiras de se terminar com esse modo de vida insano que vivemos atualmente. E quando digo selvagem seria bom explicitar aqui, falo de todo e qualquer cidadão normal que vive diariamente sua vida normal. Aquele que não pensa, não realiza e não potencializa para as capacidades próprias e alheias, deixando sua vida ligada, à força, às instituições que lhe são normais. Com o desmantelamento da família, a inadequação das escolas com o ritmo dos alunos, a ineficiência de nossa polícia e a corrupção política saltitando em nossos olhos as pessoas normais ficam sem parâmetros a se basear em seus projetos de vida, dando espaço para as pseudo-ideologias defendidas pelo lado econômico da vida, que não se preocupa minimamente com a parte filosófica do que faz, apenas o faz, pois é uma máquina posta em funcionamento e largada ao léu.
Logicamente que essa desestruturação de nossa sociedade dá margens a novas filosofias, mas que passam longe das mentes medíocres pela simples falta de exercício delas.
E por esses e outros fatores que tenho dentro de mim essa tristeza indizível todas as vezes que uma nova possibilidade se abre dentro de minha mente e que ao refletir sobre ela constato a incapacidade alheia de percebê-la também.
Mas como mostro na passagem abaixo esse ato constante e inevitável dentro de mim já faz parte de uma alegria animadora. Uma felicidade dá sinais de vida todas as vezes que penso, raciocino, descubro, aprendo, evoluo. E com isso começo a pensar um meio de passar aos meus conhecidos essa nova forma de pensar. Essa necessidade de ampliar e espalhar o conhecimento me é cada vez mais forte e começo então a pensar em meios de transmitir aos poucos o que conheço e que o que sei. E o primeiro passo, e agora sei que o dei inconscientemente, foi o ato de escrever. Começar a escrever, registrar e publicar textos em que todos esses pensamentos se mostrem claros é um dever, acima de tudo. Já que milhões senão bilhões de pessoas, na maioria das vezes, não atinaria para detalhes de suas vidas que podem ser mostrados e descritos.
E é por essa e outras razões que falo e grito a todos os escritores que pensem em formar mais escritores. Escrever é o primeiro passo de reflexão séria e metódica que se faz necessário a cada passo na busca da verdade. Uma busca da verdade que pode ter duas faces. A primeira sendo exclusivista, de posse, algo com muito demérito. E outra aquela que visa a sempre renovação de sua própria qualidade e definição. E é sobre essa que o enxerto com que termino meu texto fala.
“Por outro lado, a segunda forma é difícil: esta busca pela verdade implica que o sujeito não assuma o lugar da verdade, mas que faça de sua vida interior, com seu cortejo de experiências de perda, de luto, de desilusão, o elemento que lhe permite incansavelmente buscar encontrar os objetos perdidos e saber que nunca os encontrará, comunicar-se com o outro sabendo que a comunicação autêntica não existe, conhecer os objetos eu sempre lhe escaparão já que sabemos desde Kant que o conhecimento dos númenos nos é proibido, criar objetos na dor (mas igualmente na alegria pois não há atividade de pensar destituída de prazer e de gozo infinito), saber por conseguinte que o sofrimento e alegria, perda e criação estão intimamente confundidos.” (Eugène Enriquez – Caminhos Para o Outro, Caminhos Para Si – Revista Sociedade e Estado, volume IX, nºs 1-2, Jan/Dez 1994)