Crise e ressaca
Vou morrer.
Eu e todo mundo que está vivo. Com o gosto azedo na boca, vindo de todo o álcool consumido na noite anterior, este foi o meu momento de reflexão e ressaca no banheiro da minha casa.
Abri a torneira para escovar os dentes e tentar substituir aquele sabor azedo por alguma menta. Mas a escova de dente me encarou irritantemente; de plástico, verde, levemente gasta. Um dia, não muito distante, será substituída por uma nova. Não morrerá, porém. Plástico demora quinhentos anos para se decompor. Eu já criei pêlos pubianos, menstruei, tive filho e a minha primeira escova de dente ainda deve estar por aí. Em algum lugar, muito longe de morrer.
E não é só privilégio dela. Durarão mais do que nós a torneira, a tampa da pasta, o espelho. O meu banheiro todo, em resumo.
O quão especial nossas vidas são?
E tão instantâneas, na frente de tudo o que está em volta.
É como um sopro no meio de um imenso vendaval.
Escova de dente filha da puta. Vai ficar aí para ver coisas que, talvez, nem meus netos vejam.
Depois, alguns minutos depois dessa crise de pensamentos inúteis, provocada, provavelmente, por uma cabeça ainda bêbada, voltei minha atenção para a torneira. E caí em consciência pesada. Porque se eu acabarei mais rápido do que o meu banheiro, por certo, se continuar nesse luxo de reflexões novelísticas, ao som do barulho da água caindo, mais rápido ainda acabará a água do planeta.
Escovei os dentes rapidinho e joguei a escova fora.