TALVEZ

Parece que foi ontem, e no entanto é como se tivesse acontecido neste mesmo instante, quase no segundo que passou, e isso me tortura, apunhala, desafina minha alma, ainda sinto no descompasso do coração a dormência da dor, a força da melancolia, o poder da amargura. Estranho, mas tudo se descortina ante mim de forma opaca, meus olhos olham sem ver, meu cérebro explode em silêncio e mergulha num mar de angústia. A saudade é um redemoinho ininterrupto, um abismo no qual caímos sem chegar ao fim, um oceano escuro e misterioso. Estou nesse labirinto sinuoso e complexo sem saber a que lugar vou chegar, com que me depararei, se haverá alguma luz ao fim da jornada de brumas. Por ter perdido as esperanças, perco-me em mim mesmo, desapareço de mim, não logro encontrar-me. Invade-me tamanha solidão, um incomensurável deserto se abre a meus pés.

"Sabe o adolescente apaixonado pela primeira vez? E que tudo faz para agradar a namorada linda? E que sorrir à toa? E que se julga o jovem mais feliz do Universo? Sou eu...a menina é você.

Esse adolescente se contenta mais e mais quando a menina linda gosta do que ele diz. Então saltita alegremente, todos o acham louco por agir assim sem dar importância ao que os outros pensam. A menina linda o faz sonhar coisas sublimes, desenhar poesias celestiais no ar, riscar sol com giz no chão.

Dois corações pulsando no mesmo ritmo, é o encontro desse algo mais semeado unicamente quando no horizonte surge um sentimento diferente, bom de sentir.

O adolescente receia gaguejar, tartamudear mesmo, quando se vir frente a frente com a menina linda. Se ele não souber o que falar no primeiro encontro, decerto a menina linda vai entender que ela é tão encantadora que o faz calar-se, a fitá-la como se estivesse ante um anjo."

Pois que, de repente, tudo aconteceu, a alegria acabou, o sorriso morreu, o prazer esmaeceu, os abraços esmoreceram, os beijos se tornaram nunca mais. Tudo, tudo se foi, esvaziando-me por inteiro a existência. Quando me vi no espelho, em lágrimas, trêmulo, estava só."

"Onde está o teu sorriso menina bonita, por onde eles se perderam nos caminhos da vida, em que esquina os largaste? Será que a desesperada imprevidência os tirou de ti? Ou terão sido as mágoas, as dores, os machucados oriundos dos sentimentos desencontrados? Encontre de volta esses sorrisos menina bonita, sem eles tu não és a mesma, não os tendo nos olhos transmites melancolia. Traga de volta os teus sorrisos menina bonita! Necessito tanto deles...e de você!"

Pedem-me paciência os que me veem abatido, todos que nem enxugar minhas lágrimas sabem. E fazem isso com a maior calma e segurança, tranquilos como se tudo fosse tão fácil como eles imaginam. Dizem-me para que eu conheça a mim mesmo, para eu amar a mim próprio, mas na verdade eu nunca soube bem o que é isso realmente, nem como chegar a esse estágio de auto felicidade. De onde eles tiraram essa afirmação tão veemente, de que podemos ser felizes sozinhos? Chegam-me a dizer que eu olhe ao meu redor e encontre a paz de espírito mesmo na alcova da solidão. Eles pensam que é a coisa mais fácil do mundo conseguir isso, como se não soubessem a dificuldade de sair do labirinto de ser só.

"Pois em você enxerguei horizontes antes jamais vislumbrados por mim, vi que você é especial, diferente, única. E por uma mulher especial como você lutarei contra leões, enfrentarei touros bravios enfurecidos, batalharei contra quem se imiscuir entre nós ou tentar fazê-lo. Você é especial, de forma que com pérolas assim sonhamos nós, os homens."

Pedem-me para suportar as dores como forma de aprendizado, vejam só quão estranho isso é, apenas para eu descobrir coisas que gosto de fazer desacompanhado. Quem nesse mundão esquisito e misterioso cheio de contrastes gosta de fazer coisas sozinhos, sem o belo sorriso de mulher incentivando, sem o sublime carinho da amada? Pedem-me para ser feliz comigo mesmo, para enfrentar as mudanças bruscas e angustiantes como meio de crescer e sair delas mais forte, tornar-me um novo homem. Tudo não passa de balela, futilidade, tolice! Ser feliz comigo mesmo? O que isso significa? Abraçar, beijar e amar a solidão? Não sei se rio ou se choro. Dizem-me tantas coisas, mostram-me tantas teorias, mas até agora ninguém me ensinou como fazer isso tudo, ninguém me deu a fórmula mágica para praticar conforme as exortações que me ensinam.

"O surgimento de você em meu caminho, menina bonita, foi um bálsamo e tem sido para mim como uma resposta às minhas orações. Sabe menina bonita, um dia alguém me disse: "tenha paciência, Deus tem algo muito melhor para você!" Entusiasmado, ansiando de coração, eu almejava que fosse você esse algo melhor cuja repentina entrada em minha vida me transformasse"

Porque simplesmente teorizar é fácil, muito fácil, o mais árduo é agir conformem asseguram. Eu digo que preciso de algo, eles veem e teorizam dizendo que isso não passa de uma ilusão que posso vencer, falo que a solidão dói profundamente na alma e lá veem eles novamente afirmando que preciso aprender a conviver com meu próprio eu. Vocês nem imaginam com que facilidade todos apresentam esse conselho, porém fazer, agir, por em prática essas assertivas não é absolutamente como preconizam. Quando você está atravessando caudalosos rios de amargura e vulcões de sofrimento, palavras, somente palavras e contextos não resolvem, não mudam o chão de barro da estrada para o asfalto sem depressões ou buracos. Tudo é muito difícil para quem está sofrendo. Dói na alma o estar só, como que os minutos que passam parecem estar corroendo cada molécula dela. Minha alma vive sem vida, morre sem morrer, é sem ser.

"O que depender de mim, se estiver ao meu alcance, farei, tentarei fazer, se preciso for e você pedir, eu andarei de bicicleta no céu, voarei como Ícaro, com o cuidado para não usar asas de cera, subirei o Monte Everest, escalarei a mais alta montanha para fotografar a orquídea mais rara para você. Tudo, tudo é para você!"

Meus passos se tornaram lentos, calmos, indecisos, não sei o que me espera adiante. O mundo é misterioso e o amanhã é negro no hoje, no agora. A ninguém é dado enxergar o minuto seguinte. Mas sigo pela longa estrada que a existência humana me proporciona, não posso parar, a inércia angustia, mata, faz do viver um começo de inferno. Em razão disso, por não ter outra alternativa, continuo, vou em frente porque alimento esperança de, na bifurcação seguinte, imaginar, ao menos ter a esperança, de que algo de muito bom me espera. Questão meramente de sonhos e positivismo. Gosto de pensar nas possibilidades, admiro as probabilidades. Sem tristeza e bem longe da melancolia, verdade que o pranto é a tristeza da alma; a alegria é o júbilo do coração Então, sorrio não importa o coração partido, destruído, desprezado. Rir é o primeiro passo para não sofrer debalde. Contudo, não alcanço tamanha magnitude, são somente devaneios.

"Mas, então, inesperadamente, tudo dói demais, sobremaneira, como se o corpo todo fosse uma só chaga aberta onde punhais de indiferença houvessem cravado sua força assassina em cada célula de mim. No coração, a mágoa maior, a agonia da falta de sua alegria, que infelizmente só é linda para fazer poesia. Mas dói profundamente, devagar, numa dor ainda mais doída."

E me pergunto, desiludido e ao mesmo tempo consciente de minha própria fraqueza e dos meus incontáveis erros cometidos ao longo da vida: como, por vezes, algo em nossa vida pode ser tão maravilhosamente angelical e gostoso no princípio, mas, de repente, sem que esperemos, mudar como se transformasse vinho em água? Transformar-se de fogo em fumaça, estar vivo e morto ao mesmo tempo? Quantos enigmas e incógnitas se nos deparam em nossa caminhada pelas rotas da vida! São tantos e tão impossíveis que se tornam um verdadeiro fardo sobre nosso coração. Está certo, tudo bem, eu me amo, sim, claro, mas preciso de alguém que me ajude nessa difícil tarefa de me amar. De que forma? Amando-me também.

"Uma perda não é só isso, mas algo além, pedaço tirado, retrato apagado, sorriso abandonado, beijo roubado e nunca devolvido. Perder é quase como nunca ter, incute na alma o desprazer, deixa na brisa a indagação: onde está você?"

No entanto, apesar de todas as súplicas, dos muitos pedidos de perdão por tantos enganos, estupidez e idiotices cometidas, não houve clemência, ela se foi, mesmo ainda transbordando de amor por mim, ficando para trás só o olhar triste, e isso permaneceu à medida em que as asas batiam na brisa buscando outros ares, novas perspectivas. Ela ia, mesmo querendo ficar, o olhar triste ansiando querendo ir com ela, as pernas desejando correr em sua direção para abraçá-la e não deixá-la ir.

"Uma perda não é só isso, mas algo além, pedaço tirado, retrato apagado, sorriso abandonado, beijo roubado e nunca devolvido. Perder é quase como nunca ter, incute na alma o desprazer, deixa na brisa a indagação: onde está você? Nem a brisa responde, o mar se cala, o luar escurece, as estrelas desaparecem e o céu se mostra um véu empretecido"

No entanto, a ave, que antes só tinha como referência apenas aquele olhar que fora tão feliz, se ia, partia, não dava atenção às lágrimas daquele rosto infeliz e derramado em prantos. Voava e voava, sem deixar claro se voltaria ou não ao seu ninho. Naquele instante tudo que eu queria era ir com ela, ao lado dela, sorrir para seu sorriso, tomar sua mão e ser feliz. Minha ave sem asas, minha menina bonita se foi envolta num mutismo torturante, saiu de minha vida como o sangue escorre das veias para derramar até a última gota do viver. Pondo um ponto final no ser e estar.

"E assim, sem uma razão plausível, a felicidade simplesmente dobrou a esquina e desapareceu, nada conseguiu detê-la. Era como se tivesse chegado a hora de sua partida, como na estória da Gata Borralheira que precisava fugir do baile antes da meia noite. Para mim, no entanto, nem o sapatinho de cristal ficou. Se o amor fosse o sol, que seria dele no inverno? Eu não soube cativar, envolver, conquistar. Se todo homem é arquiteto do seu próprio destino, percebo que não passo de um simples ajudante de pedreiro, aquele pobre coitado cujo trabalho simples não vai além de preparar a argamassa, o labor mais grosseiro da construção humana."

No jogo da vida não é de bom alvitre arriscar tudo e jogar os dados sobre a mesa. Algo pode dar errado e você perder tudo. Eu arrisquei. E perdi. Tudo. Boiei num rio de lágrimas, levou-me a correnteza sem destino. Esse rio de lágrimas um dia secará?. Poderei algum dia do porvir atravessar para a outra margem tranquilamente, sereno, sorrindo, feliz? Alguém do outro lado estará à minha espera, sorrindo para mim também?

Talvez.

E eu permaneço assim olhando para o nada, sentado no sofá, voltando os olhos para o nada.De um lado a solidão, do outro a tristeza, no coração a saudade, na alma a melancolia, no espírito a pobreza de emoções.

Nem por isso deixarei de sonhar, malgrado o peso da insuportável solidão.

E é da fortaleza da minha solidão sonhadora onde voam os mais lindos beija-flores poéticos, as mais puras borboletas coloridas, os pássaros mais ousados e gorjeantes, o luar mais iluminado e a noite mais estrelada. Porque nela tudo é motivo para ter um motivo, dela escorrem as lágrimas incontidas, e lá, somente em seu recinto único, encontro comigo e falo das minhas mais íntimas alegrias, dos meus mais puros desejos, dos sonhos maravilhosos povoando minha alma. Mas em seu interior também brado em silêncio, clamores percebidos tão-somente por réstias do coração em luta consigo mesmo para ser feliz, ainda que por instantes. É mero refúgio passageiro essa fortaleza, o tempo logo a tornará pó como tudo que é matéria, então já não mais habitarei ambientes da espécie, ao contrário, pisarei sobre camadas de gargalhadas alegres, voarei em devaneios como a seguir as aves que buscam o calor para procriar, abraçarei rios de ternura e me afogarei no pleno êxtase. Ao lado ou não da menina bonita.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 15/07/2013
Reeditado em 14/08/2013
Código do texto: T4389025
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