O Cômodo
A janela se abre e soberanamente o sol adentra, pela fresta, para todo o cômodo. Lá fora se ouve o barulho de crianças brincando. É julho, mês de férias, ele mesmo está de férias, mas está dentro de seu cômodo, trancafiado, confinado, sentenciado. Não ouve suas músicas, não degusta sua comida, nem sequer veste suas roupas confortáveis. Está de férias, no entanto, senta-se, arruma-se, comporta-se como se estivesse trabalhando. Ele ficou até mais tarde na cama apenas para se levantar com um sentimento de culpa: “Preciso fazer alguma coisa”. O celular está desligado, mas isso o deixa preocupado: “E se alguém precisar falar algo urgente comigo?” Pensa consigo mesmo. Está de férias, no entanto continua acumulando cargas e mais cargas de preocupação e culpa...
Seu serviço geralmente exige dele uma postura exemplar. Suas roupas são minunciosamente escolhidas, suas palavras cuidadosamente pronunciadas; raramente ele vai além dos limites a ele estabelecidos. É de lá para cá correndo sem parar. Vive seus dias debaixo de ansiedade e estresse. Metas a cumprir, relatórios a entregar, satisfações a dar, pessoas e mais pessoas a agradar. Mas ele agora está de férias. Pode vestir as roupas de seu gosto, pode falar, ouvir, gesticular e ir. Mas por que ele não veste, não fala, não age e não vai? Talvez ele tenha medo que alguém o veja. Não que ele queira fazer algo imoral, longe disso, apenas aquilo que é fora do que para ele convencionaram como correto. Mas afinal, por que ele não sai? Por que não aproveita o dia de sol? Todas essas perguntas estão em sua mente enquanto continua lá em seu cômodo.
Como o homem ridículo ele vai, apenas em sonho, para uma terra que para ele é melhor. Sua liberdade é vivida em sua mente somente. Ele continua lá em seu cômodo e de lá ele sonha, almeja com uma vida a ser vivida em plenitude. Nessa sua terra ele ouve músicas agradáveis, as roupas são confortáveis, vai a restaurantes, saí sem hora para voltar, encontra pessoas, que não estão preocupadas em flagra-lo em algum delito, que também estão lá vivendo, despretensiosamente vivendo. Ele fala palavras sem sentido e todos riem. Não vive sobre a pressão do ideal, mas apenas sobre o libertador real. Só existe um problema: ele sempre acorda e percebe que está em seu cômodo.
Daqui a alguns dias suas férias irão acabar e ele voltará à sua rotina. Logo seu horário estará novamente limitado, suas roupas serão novamente minunciosamente escolhidas, suas palavras cuidadosamente pronunciadas, enfim, ele estará de volta à sua rotina de metas a cumprir, relatórios a entregar, satisfações a dar, pessoas e mais pessoas a agradar. Apesar de tudo isso, ele continua em seu cômodo. E por que ele continua lá? Por que ele não sai? Por que não aproveita o tempo que tem? Simplesmente porque não é sua rotina que o escraviza, mas ele próprio. O cômodo em que ele está trancafiado não é outro a não ser o cômodo do seu próprio ser.
A única solução para o homem em seu cômodo, e para qualquer outro, é perceber “que as pessoas podem ser belas e felizes, sem perder a capacidade de viver na terra”. Ele se reclusou em seu cômodo porque achou que seria impossível viver na terra. De tantas proibições e limitações que lhe foram impostas, ele deixou a terra para viver num cômodo de onde ele sonha com uma terra, que é exatamente igual a sua, onde poderá ser feliz.
Mas quem sabe um dia um milagre aconteça e ele pule a janela a vá brincar com as crianças.