Um dia perfeito
Chega, finalmente o dia em que não tenho o que falar. Mas é assim mesmo, posso falar apenas: nada aconteceu, não tenho o que falar.
Não lançarei mão de memórias já tão distantes no tempo, falarei de acontecimentos. Não tenho nenhum produto para vender, nem pílulas de otimismo, nem mensagens edificantes. Nem expectativas. Apenas acontecimentos... E, se nada aconteceu, nada há a relatar. Exceto esse fato: nada aconteceu.
O coração continua batendo, acorda, trabalha, almoça, e nada aconteceu, a vida apenas que está passando... Um dia perfeito em que nada acontece.
Seria apenas isso se não tivesse havido um grito agudo da mulher me chamando, a voz distante vindo da cozinha.
Acorri com a máxima rapidez possível, eu o vigilante permanente que nasci para ser bombeiro ou salva-vidas e que sempre corre para apagar incêndios ou socorre feridos em acidentes de rua.
- Quê foi?
- Um rato – disse ela pálida.
Fechei a porta, o basculante da janela e comecei a procurar o bicho. Da copa outros gritos me alertaram.
- Nossa, isso aqui tá cheio de ratos! Acabei de ver quatro andando em fila indiana.
Abri a porta e passei para a copa. Atrás de um móvel havia quatro ratos.
Olhavam para mim sem medo, me encarando de igual para igual. Seriam, talvez, ratos selvagens, nascidos há pouco e sem contato com humanos. Olhavam-me com se eu fosse um animal desconhecido e, com a pureza de ratos recém chegados ao mundo, não fugiam. Cheguei a pensar que podia pegá-los com a mão, como se fossem pássaros feridos. Mas, qual, pássaros uma ova! Vou é passar a ripa nesses invasores.
Os ratos voltaram, em fila indiana para a cozinha. Procuravam sair pelo basculante que estava fechado. Pararam no batente da janela e olharam para mim, como se perguntassem: “como é, não vai abrir não?”.
Abri relutante o basculante e os quatro saíram. Mas ficaram alguns outros. Armei uma ratoeira e esperei.
Nesse meio tempo uma lasanha que estava no forno ficou pronta. Hora do jantar, finalmente alguma coisa acontece. Mas não tivemos coragem de comer. A desconfiança de que aqueles ratos poderiam ter morado no fogão e lambido a nossa lasanha e saído apenas quando o forno foi esquentando lançou a desconfiança sobre o jantar.
Saímos para comer fora. Na volta corri para ver a ratoeira. O queijo havia sumido, a ratoeira ainda armada confirmava a verdade: minha casa fora invadida, estávamos sendo colonizados pelos ratos.
Enfim, um dia perfeito. Na cama, pude imaginar os dentinhos do rato roendo os tubos da geladeira.