Recrio-me na Literatura.

Nas memórias de minhas vírgulas, espaceiam minhas lembranças, próximas às curvas dos meus parágrafos. Pontuo a dor de tudo, parafraseando histórias mal contadas e lidas, entre travessos travessões que, vez por outra, andam, mudando o sentido de tudo o que separo de bom para exemplarmente servir-me adiante.

A Literatura deixa-me ser o narrador de tudo o que desejo e entre as personagens criadas e soltas às páginas, desmandam e prendem de minhas releituras, faço, entre o medo de assustar-me com o não dito, mas fixado à pagina branca do papel, cômplito de tudo desenhado, e o prazer de ter, falsamente crido, que criei algo e pus no mundo como se um deus eu fosse. Tudo vem de algum lugar para se misturar à frente de minhas retinas encharcadas ou não do que, antes de escrever, narro para mim mesmo, como se quisesse inutilmente castigar-me, censurando o limbo do meu verbo criador. É por isso que posso gargalhar de minhas dores dementes dos sentidos, mas profundamente autênticas e fiéis aos meus outros sentidos álmicos que forgeam viver em labirintos e entranhas onde vão os que lêem o que escrevo desencabuladamente, vindo de onde mora uma coragem que é bem maior que minha consciência. Trago-a à tona, sem náuseas, mas sem freio nenhum acreditar possuir.

Chega-me o verso segundo, e nem noto que saltei da prosa à poesia. Cantarolo dores e sonhos, armo castelos e estou dentro de um conto que nunca esperei de poder contá-lo para tanta gente: é que o livro estava pronto e o ponto final não me havia deixado crer nele, e pedia a presença das reticências e, para que não ficasse desgostoso o meu inconsciente, brinco comigo mesmo e safadeio com certo narcisismo muito bem controlado e desenho um ponto e vírgula e posso traduzir que mudei até de gênero literário e digo que tudo o que escrevi está aspeado, como se o leitor não houvesse inteligentemente, antes de minhas pretensas aspas, colocado as suas, coroando o texto e o meu pretexto de pensar saber o que estava deixando ser entendido com o texto em desalinho, com o meu próprio caminho ligando o homem escritor ao homem personagem – essas duas tão doces e interessantes criaturas vindas de mundos tão proximamente longes, metáfora saborosa da maior parte do que fixo no discurso escrito, como se estivesse a encher uma deliciosa tripa de lingüiça. Mas aí fico sabendo que me faltam o sal, o tempero, o óleo, a caçarola e a própria fritura. Paro, penso, releio, e só aí sinto vir pelos ventos da literariedade o que foi posto no tempero das frases e o que não pôde ser-me permissível, porque me falta muito saber para, ao invés de tripa encher, fazer maior literatura. Não há maior escola literária para um escrivinhador que pleiteia ser um dia um bom escritor, do que aconselhar-se com o seu próprio texto e compará-lo com os outros tantos lidos e relidos mesmo que engendrados pelos que magicamente acreditam que tudo o que escreveram está perfeito.

Entendo e gosto do seguinte entendimento: é para o leitor que escrevo as minhas histórias, e é para mim, apenas para mim, o que bem dizem ou mal dizem delas as palavras daqueles.

Continuo apaixonado pela Literatura – esse maravilhoso mundo onde podemos ser de tudo um muito.