LEMBRANÇAS DE DOMINGO
Por Carlos Sena


Das lembranças marcantes, todas ficam no passado, lá na nossa infância e adolescência. Porque o nosso mundo – o dos adultos – é mesmo meio sem graça e cheio de racionalismos nem sempre dignos de saudades.
Por isso, em cada domingo me transporto um pouco para a missa das nove horas lá na minha terra. As famílias todas por lá e devidamente paramentados de acordo com o domingo, inclusive no vestuário. Lembro que lá em casa uma roupa nova logo mamãe dizia: vai usar na missa! As moças caprichavam nos modelitos e homens quebravam num linho. Muitas vezes eu nem sabia pra que ia à missa, mas mamãe sempre sabia por que nos levava. Naquela época eu ainda alcancei a missa em latim. Pra mim era um sacrifício ficar ali, feito um dois de paus, esperando a missa terminar. Minha angústia se dava principalmente porque eu não entendia nada, exceto o LORUM do latim que, de fato, eu também nem entendia, mas sentia que ele fazia parte de todas as falas do padre. Algo meio musical cheio de “lorum-lorum” – seculorum, consumatum e outras derivações. Não bastasse meu pouco entendimento da liturgia, eu tinha que ficar ali vendo o padre de costas. Tudo bem que vez por outra ele se virava pro povo e dizia sei lá o quê, mas parece que era um “amém”... Nessa odisseia litúrgica eu comecei a decorar os passos da missa como papagaio decora nossas falas. Quando, finalmente, o padre dava a comunhão, eu começava a me acender pra ir embora, pois eu sabia que depois da comunhão o fim estava perto.
Hoje, vejo que tudo eram detalhes que estavam com os dias contados e eu nem imaginava. Logo o Vaticano mudou tudo e os padres começaram a dizer missa em português e de frente para o povo. Aí eu me alegrei um pouquinho mais e comecei a entender não só do ritual, mas da sua simbologia que, diga-se de passagem, é belíssima. Eu curto até hoje, em que pese minhas restrições a igreja católica tão imiscuída em escândalos, luxo, e pecados. O que me conforma é que ela talvez seja a que menos tem entrado no mercado da fé concorrendo com o Edir e o Málacraia. Afora isso, era uma festa para o meu interior saber que no domingo eu ia à missa. Às vezes mamãe não nos levava para a das nove, mas para a das cinco da madrugada. Eu saia de casa com meus irmãos congelando de frio. Até aquela fumacinha que sai da boca da gente nos lugares que caem geadas, também lá saiam. Mas, a gente tinha que ir às missas aos domingos, “mamãe não abria mão disso”!
Depois da missa das nove, o almoço. Geralmente era galinha. Porque naquela época quando pobre comia galinha um dos dois estava doente. Comia-se mesmo era carne de boi durante a semana para no domingo variar com uma penosa. Não havia essa história de galinha de granja. Eram todas compradas com pena e tudo na feira e mortas em casa, depenadas e feitas nos variados tipos como cabidela ou guisada. Eu adorava a guisada e não abria mão do pé. Lá em casa era uma briga pelo pé. Eu não entendia por que algumas pessoas jogavam os pés das galinhas no lixo, mas mesmo assim eu adorava. Ninguém brigava como hoje por Coca-Cola ou guaraná. Isso era artigo de luxo, pois as poucas geladeiras que havia eram só para os ricos, e elas funcionavam na base do gás. Por isso, refrigerante estava fora, mesmo porque ele “qLEMBRANÇAS
Das lembranças marcantes, todas ficam no passado, lá na nossa infância e adolescência. Porque o nosso mundo – o dos adultos – é mesmo meio sem graça e cheio de racionalismos nem sempre dignos de saudades.
Por isso, em cada domingo me transporto um pouco para a missa das nove horas lá na minha terra. As famílias todas por lá e devidamente paramentados de acordo com o domingo, inclusive no vestuário. Lembro que lá em casa uma roupa nova logo mamãe dizia: vai usar na missa! As moças caprichavam nos modelitos e homens quebravam num linho. Muitas vezes eu nem sabia pra que ia à missa, mas mamãe sempre sabia por que nos levava. Naquela época eu ainda alcancei a missa em latim. Pra mim era um sacrifício ficar ali, feito um dois de paus, esperando a missa terminar. Minha angústia se dava principalmente porque eu não entendia nada, exceto o LORUM do latim que, de fato, eu também nem entendia, mas sentia que ele fazia parte de todas as falas do padre. Algo meio musical cheio de “lorum-lorum” – seculorum, consumatum e outras derivações. Não bastasse meu pouco entendimento da liturgia, eu tinha que ficar ali vendo o padre de costas. Tudo bem que vez por outra ele se virava pro povo e dizia sei lá o quê, mas parece que era um “amém”... Nessa odisseia litúrgica eu comecei a decorar os passos da missa como papagaio decora nossas falas. Quando, finalmente, o padre dava a comunhão, eu começava a me acender pra ir embora, pois eu sabia que depois da comunhão o fim estava perto.
Hoje, vejo que tudo eram detalhes que estavam com os dias contados e eu nem imaginava. Logo o Vaticano mudou tudo e os padres começaram a dizer missa em português e de frente para o povo. Aí eu me alegrei um pouquinho mais e comecei a entender não só do ritual, mas da sua simbologia que, diga-se de passagem, é belíssima. Eu curto até hoje, em que pese minhas restrições a igreja católica tão imiscuída em escândalos, luxo, e pecados. O que me conforma é que ela talvez seja a que menos tem entrado no mercado da fé concorrendo com o Edir e o Málacraia. Afora isso, era uma festa para o meu interior saber que no domingo eu ia à missa. Às vezes mamãe não nos levava para a das nove, mas para a das cinco da madrugada. Eu saia de casa com meus irmãos congelando de frio. Até aquela fumacinha que sai da boca da gente nos lugares que caem geadas, também lá saiam. Mas, a gente tinha que ir às missas aos domingos, “mamãe não abria mão disso”!
Depois da missa das nove, o almoço. Geralmente era galinha. Porque naquela época quando pobre comia galinha um dos dois estava doente. Comia-se mesmo era carne de boi durante a semana para no domingo variar com uma penosa. Não havia essa história de galinha de granja. Eram todas compradas com pena e tudo na feira e mortas em casa, depenadas e feitas nos variados tipos como cabidela ou guisada. Eu adorava a guisada e não abria mão do pé. Lá em casa era uma briga pelo pé. Eu não entendia por que algumas pessoas jogavam os pés das galinhas no lixo, mas mesmo assim eu adorava. Ninguém brigava como hoje por Coca-Cola ou guaraná. Isso era artigo de luxo, pois as poucas geladeiras que havia eram só para os ricos, e elas funcionavam na base do gás. Por isso, refrigerante estava fora, mesmo porque ele “quente” era como hoje, uma desgraça. A gente ficava no ponche. Pra quem não sabe, ponche é um suco ralo com mais água do que polpa. Quatro laranjas deva um litro de ponche e a gente adorava. Mamãe fazia de laranja, de limão de goiaba, de mamão. Ah, não posso me esquecer do molho de pimenta – era daquele tipo caseiro: cebolinha com coentro, quiabo, caldo de feijão e, quando tinha, um umbu verde cozido no caldo do feijão. Delícia. Fico com água na boca. Depois do almoço, sesta. Quem gostava de futebol ia para o campo torcer pelo vera cruz. Quem  não ficava em casa lendo e conversando com a família. À noite, um radiozinho na radio clube de Pernambuco era uma pedida. Tinha a novela de Albertinho Limonta – O Direito de Nascer que disputava com Jerônimo o Herói do Sertão, os primeiros lugares de audiência. A gente não era incomodado por Faustão, nem por Gugu, nem por Eliana, nem pelo Fantástico, muito menos por Galvão Bueno.
Hoje, saudosismo à parte, tudo está meio “empacotado”. Muita gente vê missa na TV e elas viraram uma alternativa de disputa por fiéis por conta da crise em que as igrejas se encontram. Parece mesmo que elas se perderam no tempo histórico escondendo o “lixo debaixo do tapete”. Hoje, quando as verdades vieram à tona, atônitas ficaram e, no afã de não perderem fiéis para os pentecostais além do que já perderam, fazem de tudo, inclusive nada... 
uente” era como hoje, uma desgraça. A gente ficava no ponche. Pra quem não sabe, ponche é um suco ralo com mais água do que polpa. Quatro laranjas deva um litro de ponche e a gente adorava. Mamãe fazia de laranja, de limão de goiaba, de mamão. Ah, não posso me esquecer do molho de pimenta – era daquele tipo caseiro: cebolinha com coentro, quiabo, caldo de feijão e, quando tinha, um umbu verde cozido no caldo do feijão. Delícia. Fico com água na boca. Depois do almoço, sesta. Quem gostava de futebol ia para o campo torcer pelo vera cruz. Quem  não ficava em casa lendo e conversando com a família. À noite, um radiozinho na radio clube de Pernambuco era uma pedida. Tinha a novela de Albertinho Limonta – O Direito de Nascer que disputava com Jerônimo o Herói do Sertão, os primeiros lugares de audiência. A gente não era incomodado por Faustão, nem por Gugu, nem por Eliana, nem pelo Fantástico, muito menos por Galvão Bueno.
Hoje, saudosismo à parte, tudo está meio “empacotado”. Muita gente vê missa na TV e elas viraram uma alternativa de disputa por fiéis por conta da crise em que as igrejas se encontram. Parece mesmo que elas se perderam no tempo histórico escondendo o “lixo debaixo do tapete”. Hoje, quando as verdades vieram à tona, atônitas ficaram e, no afã de não perderem fiéis para os pentecostais além do que já perderam, fazem de tudo, inclusive nada...