Nenhum dia é perdido
Todas as manhãs ao acordar, penso: “que novidades o dia me trará?” Nenhuma?! Aparentemente, claro, porque nenhum dia é igual ao outro.
Há dias em que o sol chega primeiro, em outros, eu chego. Há dias em que ele nem vem, nuvens escuras tomam conta do céu. Confesso que em dias sem sol parece que eu não acordo. Fico com aquela sensação de que o dia não amanheceu e dá aquela vontade de não sair da cama. Entretanto, com sol ou sem ele, é preciso começar o dia. Então, respiro fundo e procuro o que fazer. Há sempre muito o que fazer, mas não me queixo. Tenho boa companhia enquanto realizo minhas tarefas: a música. Além disso, já não preciso me preocupar com o tic-tac do relógio. Foi-se o tempo em que eu precisava fazer tudo correndo para não perder a hora do trabalho. Essa é uma das vantagens da aposentadoria.
Gosto quando recebo uma ligação de algum amigo ou parente com quem não falo há muito tempo. Se deixar, fico horas pendurada ao telefone. Também gosto quando chegam visitas, principalmente nos fins de semana. Fico muito feliz quando a casa está cheia, quando fazemos churrasco ou reunimos a família para um almoço simples, mas é sempre divertido.
Às vezes tenho que sair: preciso ir ao supermercado, ou ao banco, ou ao dentista, ou a qualquer outro lugar para resolver alguma coisa. É nessa hora que acontecem as maiores novidades: encontro pessoas amigas, converso aqui e ali, olho as promoções das lojas e, se tiver saldo disponível no cartão, ouso trazer para casa um par de sapatos, ou uma roupa nova, ou um livro, ou qualquer outra coisinha que às vezes nem preciso, mas meu espírito consumidor me induz a comprar. Não, não chego a ser como a personagem Helô de Salve Jorge que era compulsiva, mas tenho minhas tentações. Comprar é uma boa novidade. Pior é quando chega a fatura do cartão. Fazer o quê? Se gastei, tenho de pagar.
Tenho o hábito de observar as pessoas na rua. Algumas são tão apressadas, outras nem tanto, e fico imaginado de onde vêm, para onde vão, o que as preocupa. É inevitável pensar se elas estão felizes ou se estão com algum problema. Problemas todos nós temos, isso é fato, mas será que os delas são maiores ou menores do que os meus? Que coisa louca pensar sobre isso!
Procuro cumprimentar a todos os conhecidos com um sorriso: “Olá, como vai?”. Dizem que sou simpática e que estou sempre sorrindo. Não há motivo para não sorrir e, quando há, sorrio assim mesmo porque as pessoas não têm nada a ver com meus grilos (às vezes são sapos mesmo).
Gosto de parar na lanchonete da Chinesinha para tomar um café, comer um pastel de queijo, conversar com a funcionária Shirley, que é um amor, e também comprar cigarros (sei que preciso parar, eu estou tentando).
Quando volto para casa de ônibus, fico ouvindo as conversas de outros passageiros, não de propósito, mas é que muita gente fala alto e não há como não escutar. Às vezes sinto vontade de interferir, mas sei que não é educado meter o bedelho na conversa alheia. Há horas em que não seguro a vontade de rir: sai cada coisa! É muito interessante observar as pessoas no ônibus, “saber” o que elas pensam, como reagem às situações do cotidiano, como são, muitas vezes, tão ingênuas, ou tão estressadas, ou tão grossas, ou tão gentis, ou tão conformadas, ou tão inconformadas, ou tão, tão, tão... ah, sei lá! Há sempre muitos tãos, já que pessoas são diferentes, embora às vezes tenham coisas em comum. Acho que, neste caso, o comum entre elas é que todas são pessoas simples, moram na periferia e precisam desse meio de transporte para chegar até o centro da cidade. Temos carro, mas nem sempre posso contar com ele, pois meu marido usa-o para trabalhar. A solução é o ônibus, mas não é tão desagradável assim usá-lo de vez em quando, além disso, pode render boas histórias.
Quando não saio, depois que o espírito de doméstica canta pra subir, ou seja, depois que fiz o trabalho braçal, deixo-me incorporar pelo espírito criativo e vou cuidar do trabalho intelectual: escrever. Às vezes navego na internet, outras vezes assisto a algum programa na tevê ou vou ler. Ah, isso é tão bom!
Quando chega a hora de dormir, penso: “que novidades o dia me trouxe?” Muitas. Mesmo que eu tenha feito coisas que costumo fazer todos os dias, ou em quase todos, sempre é diferente. Se os dias fossem todos iguais teriam o mesmo nome, não precisaríamos chamá-los de segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e assim por diante. Se eu não fiz tudo o que havia planejado não tem importância, posso fazer no dia seguinte. Se houve algum imprevisto que me desviou da minha rota, tudo bem, imprevistos fazem parte da vida. Se não há ninguém seriamente doente na família ou entre os amigos, está tudo certo.
Não considero nenhum dia perdido, mesmo aquele em que nada de extraordinário tenha acontecido. Aprendi a valorizar todos os momentos da vida sejam eles cheios de novidades ou não. Ainda que em certos dias eu me sinta sozinha, que esteja triste por algum motivo (ou por nenhum), que esteja preocupada com alguma coisa, que esteja com saudades das pessoas que amo (principalmente dos filhos que não moram comigo), ainda assim não considero o dia perdido.
Em realidade, acordar todas as manhãs já é a grande novidade. Começar mais um dia, seja ele de sol ou de chuva, de festa ou de luto, de alegria ou de tristeza, de trabalho ou de lazer, não importa, é mais um dia que se ganha, não que se perde.
Assim como num livro nenhuma página é igual à outra, mas todas são importantes, os dias também são diferentes, mas todos são especiais. Quando perdemos um capítulo da história não entendemos o seu final e, consequentemente, a mensagem que o autor quis nos passar. Já na vida, se consideramos um dia perdido, não entendemos as lições que possa ter nos trazido quando ele termina.
Enquanto a morte não chega, e espero que ela demore bastante, vivo cada dia do jeito que ele se apresenta pra mim: como mais um dia ganho, nunca como um dia perdido. Simples assim.
Todas as manhãs ao acordar, penso: “que novidades o dia me trará?” Nenhuma?! Aparentemente, claro, porque nenhum dia é igual ao outro.
Há dias em que o sol chega primeiro, em outros, eu chego. Há dias em que ele nem vem, nuvens escuras tomam conta do céu. Confesso que em dias sem sol parece que eu não acordo. Fico com aquela sensação de que o dia não amanheceu e dá aquela vontade de não sair da cama. Entretanto, com sol ou sem ele, é preciso começar o dia. Então, respiro fundo e procuro o que fazer. Há sempre muito o que fazer, mas não me queixo. Tenho boa companhia enquanto realizo minhas tarefas: a música. Além disso, já não preciso me preocupar com o tic-tac do relógio. Foi-se o tempo em que eu precisava fazer tudo correndo para não perder a hora do trabalho. Essa é uma das vantagens da aposentadoria.
Gosto quando recebo uma ligação de algum amigo ou parente com quem não falo há muito tempo. Se deixar, fico horas pendurada ao telefone. Também gosto quando chegam visitas, principalmente nos fins de semana. Fico muito feliz quando a casa está cheia, quando fazemos churrasco ou reunimos a família para um almoço simples, mas é sempre divertido.
Às vezes tenho que sair: preciso ir ao supermercado, ou ao banco, ou ao dentista, ou a qualquer outro lugar para resolver alguma coisa. É nessa hora que acontecem as maiores novidades: encontro pessoas amigas, converso aqui e ali, olho as promoções das lojas e, se tiver saldo disponível no cartão, ouso trazer para casa um par de sapatos, ou uma roupa nova, ou um livro, ou qualquer outra coisinha que às vezes nem preciso, mas meu espírito consumidor me induz a comprar. Não, não chego a ser como a personagem Helô de Salve Jorge que era compulsiva, mas tenho minhas tentações. Comprar é uma boa novidade. Pior é quando chega a fatura do cartão. Fazer o quê? Se gastei, tenho de pagar.
Tenho o hábito de observar as pessoas na rua. Algumas são tão apressadas, outras nem tanto, e fico imaginado de onde vêm, para onde vão, o que as preocupa. É inevitável pensar se elas estão felizes ou se estão com algum problema. Problemas todos nós temos, isso é fato, mas será que os delas são maiores ou menores do que os meus? Que coisa louca pensar sobre isso!
Procuro cumprimentar a todos os conhecidos com um sorriso: “Olá, como vai?”. Dizem que sou simpática e que estou sempre sorrindo. Não há motivo para não sorrir e, quando há, sorrio assim mesmo porque as pessoas não têm nada a ver com meus grilos (às vezes são sapos mesmo).
Gosto de parar na lanchonete da Chinesinha para tomar um café, comer um pastel de queijo, conversar com a funcionária Shirley, que é um amor, e também comprar cigarros (sei que preciso parar, eu estou tentando).
Quando volto para casa de ônibus, fico ouvindo as conversas de outros passageiros, não de propósito, mas é que muita gente fala alto e não há como não escutar. Às vezes sinto vontade de interferir, mas sei que não é educado meter o bedelho na conversa alheia. Há horas em que não seguro a vontade de rir: sai cada coisa! É muito interessante observar as pessoas no ônibus, “saber” o que elas pensam, como reagem às situações do cotidiano, como são, muitas vezes, tão ingênuas, ou tão estressadas, ou tão grossas, ou tão gentis, ou tão conformadas, ou tão inconformadas, ou tão, tão, tão... ah, sei lá! Há sempre muitos tãos, já que pessoas são diferentes, embora às vezes tenham coisas em comum. Acho que, neste caso, o comum entre elas é que todas são pessoas simples, moram na periferia e precisam desse meio de transporte para chegar até o centro da cidade. Temos carro, mas nem sempre posso contar com ele, pois meu marido usa-o para trabalhar. A solução é o ônibus, mas não é tão desagradável assim usá-lo de vez em quando, além disso, pode render boas histórias.
Quando não saio, depois que o espírito de doméstica canta pra subir, ou seja, depois que fiz o trabalho braçal, deixo-me incorporar pelo espírito criativo e vou cuidar do trabalho intelectual: escrever. Às vezes navego na internet, outras vezes assisto a algum programa na tevê ou vou ler. Ah, isso é tão bom!
Quando chega a hora de dormir, penso: “que novidades o dia me trouxe?” Muitas. Mesmo que eu tenha feito coisas que costumo fazer todos os dias, ou em quase todos, sempre é diferente. Se os dias fossem todos iguais teriam o mesmo nome, não precisaríamos chamá-los de segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e assim por diante. Se eu não fiz tudo o que havia planejado não tem importância, posso fazer no dia seguinte. Se houve algum imprevisto que me desviou da minha rota, tudo bem, imprevistos fazem parte da vida. Se não há ninguém seriamente doente na família ou entre os amigos, está tudo certo.
Não considero nenhum dia perdido, mesmo aquele em que nada de extraordinário tenha acontecido. Aprendi a valorizar todos os momentos da vida sejam eles cheios de novidades ou não. Ainda que em certos dias eu me sinta sozinha, que esteja triste por algum motivo (ou por nenhum), que esteja preocupada com alguma coisa, que esteja com saudades das pessoas que amo (principalmente dos filhos que não moram comigo), ainda assim não considero o dia perdido.
Em realidade, acordar todas as manhãs já é a grande novidade. Começar mais um dia, seja ele de sol ou de chuva, de festa ou de luto, de alegria ou de tristeza, de trabalho ou de lazer, não importa, é mais um dia que se ganha, não que se perde.
Assim como num livro nenhuma página é igual à outra, mas todas são importantes, os dias também são diferentes, mas todos são especiais. Quando perdemos um capítulo da história não entendemos o seu final e, consequentemente, a mensagem que o autor quis nos passar. Já na vida, se consideramos um dia perdido, não entendemos as lições que possa ter nos trazido quando ele termina.
Enquanto a morte não chega, e espero que ela demore bastante, vivo cada dia do jeito que ele se apresenta pra mim: como mais um dia ganho, nunca como um dia perdido. Simples assim.