Camila conseguiu

Camila pelejou anos para chamar a atenção da imprensa local para o seu trabalho. No rádio até que conseguiu alguma coisa, mas queria um espaço também no jornal impresso, que era a vitrine privilegiada da alta sociedade: o semanário 'A City'. Não precisava nem ter foto, só uma notinha sobre a exposição, um comentário sobre dois ou três quadros, mais nada. (Ela queria impressionar os ricos, para ver se alguém comprava alguma coisa, porque a vida estava difícil). Não teve jeito. Por mais que ela pedisse e implorasse, o dono do jornal desconversava, dava uma desculpa e não publicava nada, nem uma frasezinha em letras minúsculas no pé de uma página. Ela não tinha amigos influentes, então era difícil.

Camila não comprava o jornal, porque era muito caro, mas folheava-o numa banca do centro, e ficava indignada ao ver que qualquer porcaria que pintasse ou escrevesse uma 'socialite' ou o filho de um magnata local era publicada e comentada com toda a pompa que a estirpe, a influência, o poder e o dinheiro daquela pessoa exigiam, com elogios do próprio dono do jornal, que de pintura e literatura não entendia nada.

Até que um dia Camila apareceu na primeira página de 'A City', com direito a uma foto enorme dela sorrindo para a câmera, toda feliz, e, na página quatro, a uma matéria especial sobre sua vida, com várias fotos de seus quadros. O título em destaque na primeira página, logo acima da foto de Camila, era: “Morte trágica”. Embaixo da foto, um pequeno texto convidando o leitor a ler a matéria da página quatro: “A jovem e talentosa artista plástica Camila Sampaio, 35 anos, teve um infarto fulminante enquanto tomava um sorvete no centro da cidade e morreu no local. Conheça a história e o trabalho dessa pintora em uma matéria especial de Jorge Baba Saco, na página 4”.

Foi assim que Camila conseguiu o espaço que tanto queria no jornal. Parabéns, Camila. Descanse em paz.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 13/07/2013
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