DO COTIDIANO




Acordei com o vozerio costumeiro dos feirantes de todos os dias, a maioria romenos, chineses e africanos que movimentam a Piazzale Barcellona, bem em frente minhas janelas.
Torino, dizem, é a capital das feiras livres em variedade, espaço  e  tempo de existência. As mais novas devem ter (ao menos) 200 anos.

Nelas encontramos de tudo - de roupas e sapatos a alimentos, de flores a agulhas e linhas. Uma festa ! 
Até aí, eu pensava - tudo igual ao Brasil .
A diferença ficava por conta da maioria dos frequentadores : senhoras idosas que me parece tenham mais de 80 anos, com muito fixador nos cabelos pintados e maquilagem impecável, como se tivessem dormido sentadas, e muçulmanas (muitas, muitas mesmo) sempre com uma criança segurada por uma  mão, e outra mão guiando um carrinho de bebê, dando a impressão, pelo volume do abdomem, embora coberto por longos e fartos tecidos, dando a impressão de que mais um bebê esteja a caminho.
 
A feira da minha rua funciona até as 14 horas, e adimira-me a persistência pelos negócios de poucos lucros, pois as barracas mais concorridas são de 1,99. Um esforço para vencer a concorrência e viabilizar vendas, garantindo a sobrevivência em um país onde a maioria é imigrante, em busca de oportunidades.

Um fato novo, porém, me fez chegar à janela mais cedo que de costume.
Ouvi, alto e em bom som, vozes que clamavam algo que eu não entendia bem o que fosse, enquanto uma voz solo se sobressaía no tubo de um megafone.
Um orador liderava pequeno grupo de algumas pessoas, inicialmente pelas ruas que cercam a feira, em seguida tomaram uma das entradas, gritando palavras de ordem, ao que alguns feirantes, assustados, ou com medo, cuidaram de rapidamente recolher seus produtos, enquanto outros iam se aproximando do grupo, provavelmente para tentar impedir que se infiltrassem entre clientes ou pessoas apenas curiosas.
Foi quando pararam, e a voz solo aumentou o tom do discurso.
Ele dizia que eram do bem, que estavam ali para denunciar as condições em que estavam vivendo neste país que passa por sérios problemas políticos e financeiros, e denunciar, principalmente, que pessoas estavam sendo despejadas por falta de pagamento nos aluguéis, e que as pessoas estavam em débito não porque não queriam pagar, mas porque não conseguiam trabalho para o sustento das suas famílias, nem para que pudessem honrar seus compromissos com os credores.

Então, pensei: será que as manifestações do Brasil estão servindo para estimular o povo de outras plagas ao exercício da cidadania ?
Será que tem algum brasileiro no meio deles, atuando além das divisas?

O discurso do orador foi curto e preciso.
A permanência do grupo na feira não durou mais de 10 minutos.
O grito de alerta, em bom idioma local, pausado, claro, a ninguém ofendeu - nem a gregos, nem a troianos, nem a italianos.
Despediram-se, agradeceram a atenção e saíram em ordem, com destinos a outras feiras, talvez.
Quem sabe com destino à estação ferroviária, ou a algum ponto de ônibus, ou a sabe-se lá onde.
Não fiquei sabendo.

Só fiquei sabendo que a vida das pessoas está difícil não só no Brasil, o meu país.
Nisso estamos todos no mesmo barco.
A diferença, certamente, está no modus operandi .

Puxa... o que está acontecendo com esse povo verde-amarelo que não consegue comunicar-se sem deixar um rastro sádico qualquer, um sinal qualquer de que está faltando respeito ao que é privado e ao que, sendo público, foi construido com nossos próprios recursos, com nosso sacrifício, com nossos impostos e por quem, se competente não for, foi por nós mesmo escolhido para administrar o que a todos pertence e a conta, invariavelmente, será debitada na rubrica de cada um ? 
Ah... sim . Todos vão pagar por alguns, para não perder o costume.

Mesmo assim, está decidido : não vejo a hora de voltar para minha linda e complicada capital capixaba, de onde morro de saudades . De saudades da família, dos amigos, das praias, do sol, do céu estrelado, da minha rua sem feira, da minha casa de frente para um sinal em cruzamento perigoso. 

De mim. 


Miriam Dutra
Enviado por Miriam Dutra em 12/07/2013
Reeditado em 13/07/2013
Código do texto: T4384425
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