Trem das Almas

“Mantenha-se inerte perante a firmeza do tempo, e a dureza de suas cores penetrarão em tua retina...”

Um caco cálido e torpe de homem que vaga no breu da madrugada, tão só quanto os outros cem que o seguem. Mal saído do calor das cobertas, tão choroso quanto o aborto espontâneo, que já não se tem por forçado por ser tão comum.

Um vago rosto distante, com tantos sonhos quantos são possíveis sonhar, cada passo distante do seu, cada passo que puder dar. O sonho do almoço, a priori é não estar ali, nem com a comida requentada, e nem com a colher embrulhada em um úmido papel de pão.

Os olhos fitam o céu, que ainda é cinzento, não se sabe se por hora ou se pelo dia inteiro, mas, é seu momento de ver o céu. Talvez já não se lembre como é o céu à luz do dia. Talvez ainda não seja dia. Mas é dia de trabalho.

O café mal tomado, mal adoçado, mal feito, com mau gosto, experimentado por boca amarga, do fel de quem tem rotina dobrada. O pão de ontem, passado na panela com margarina que vai dar azia daqui há um pouco.

No cuscuz que entrou água... Fruto do sono de quem mal dormiu, mal amou, mal tomou banho, na água que é fria, mal deitou, mal terminou a novela, mal chegou em casa, e já sai de novo.

O frio que corta a cara, mal lavada, mal barbeada, a cara mal acariciada. A cara mal entendida, mal vista, mal percebida...

Em passos rápidos e largos que as pernas dão sozinhas, a mente está parada, ou em algum lugar que não se possa encontrar...

O ônibus chegou... Cem corpos sem alma entram em comboio pela porto do trem das almas...

Mais um dia de escravidão até que a morte os separe...

Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 12/07/2013
Reeditado em 29/05/2018
Código do texto: T4384173
Classificação de conteúdo: seguro