O DIA DA MORTE
Quando o médico entrou na sala, observou que o semblante dele era grave.
Ao ouvir o diagnóstico sentiu um soco no estômago. Quase desfalece ali mesmo. A vista ficou turva. O médico todo de branco, sentado do outro lado da mesa, deu-lhe a impressão de que era um espectro. A sala do doutor era fria, muito fria, repleta de diplomas e havia muitas fotos de congressos de medicina. Outras fotos mostravam o doutor sempre fazendo pose nos principais monumentos europeus, demonstrando que era financeiramente bem sucedido. Viu uma réplica da torre Eiffel em cima da mesa que lhe pareceu imensamente simplória.
- É possível que o senhor esteja enganado? O diagnóstico é definitivo? – perguntou tímido.
O médico não o olhou, nem sequer lhe respondeu. Fechou a cara. Médicos se acham senhores da verdade, acima do Bem e do Mal. Não admitem qualquer diálogo que seja. Supõe-nos tolos e ignorantes. Gostam de nos ver acuados como um animal que vai para o abate.
- O tratamento pode começar já na próxima semana. Mas não há mais o que fazer. – Falou secamente, já se levantando da cadeira bruscamente, visivelmente irritado, expulsando-o da sala, para que não houvesse qualquer nenhuma outra pergunta. Uma pequena lágrima caiu-lhe lentamente.
Ficou um bom tempo na salinha de espera que já estava vazia. Tomou um cafezinho e saiu lentamente do consultório. Ainda era cedo da manhã e tinha chovido a noite toda. Gotículas de água translúcidas caiam lentamente das árvores. Pequenas formiguinhas de asas esvoaçavam em volta. Poças d'água refletiam o céu. O céu estava tão azul que mais parecia um quadro de Canaletto.
Lembrou-se especialmente disso até os dias de hoje, já com seus bem vividos oitenta anos. Quando perguntei pelo médico, se algum dia ele voltou ao consultório, ele pôs a mão fraternalmente no meu ombro.
- Soube que morreu um ano depois daquele dia.