Lições de quem viveu bastante
LIÇÕES DE QUEM VIVEU BASTANTE
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 10.07.13)
Desta vez foi em Passo de Torres. Passo de Torres é o último município catarinense para quem segue a linha do mar em direção ao Rio Grande do Sul. O município (bem como a cidade que lhe dá nome) termina no rio Mampituba. Na margem oposta vê-se Torres, uma espécie de simetria, ou espelho, com relação a Passo de Torres: trata-se do último município gaúcho para quem se desloca pela praia em direção a Santa Catarina. Do lado de lá da divisa, município e cidade igualmente findam no Mampituba. Convém lembrar, para que não se pense que os comentários acima sejam ociosos, que em incontáveis oportunidades as sedes não se instalam nos limites do município. Ali há essa coincidência mútua, digamos assim.
Foi em Passo de Torres, no fim de semana passado, que o Velho Matus, como é conhecido o patriarca, teceu novamente as suas ponderadas considerações sobre a vida, sobre os homens e sobre as coisas. Aliás, ele detesta admitir implicitamente a idade que leva, embora tenha que se curvar às evidências:
- Claro que eu já vivi bastante - ele vocifera -, mas isso não significa em absoluto que já vivi muito! Ou que já vivi o bastante. Se querem saber: ainda falta muito!
Só não o chamem, na vã tentativa de agradá-lo, de Matusinho. Há muitos anos, uma sobrinha-bisneta, já idosa, foi a última pessoa que se dirigiu a ele, ainda que inadvertidamente, empregando esse apelido supostamente carinhoso (e que refletia o apreço que a mulher tinha pelo ancião): dadas a ofensa e os danos morais ainda que involuntariamente causados, foi judicialmente proibida de aproximar-se dele a menos de 500 metros até o fim da vida dela. Ninguém duvidava que ela se iria desta para melhor, como se dizia, bem antes dele. Como de fato ocorreu lustros atrás.
Um dos motivos que o deixa muito entristecido e inconformado é o fato de o Sul catarinense contar com apenas 45 municípios.
- Ganhamos dois novos municípios neste ano de 2013 - Vovô Matus contabiliza -, Pescaria Brava e Balneário Rincão. Mas eu não morro enquanto não forem criados mais oito cidades por aqui: precisamos chegar a 53 executivos na região!
A lógica de Matus Além Osório é cristalina: com essa quantidade planejada de municípios, haverá uma grande festa Osória a cada final de semana sem que se repita o município ao longo de um dado ano e sem que se precise ir duas vezes, gregorianamente falando, ao mesmo destino. E o Velho Matus faz questão de exercer com sua presença física, nessas festas de família, a tutela que lhe cabe sobre os Osórios todos.
Sempre haverá alguém que lembre existirem no ano 52 semanas apenas (como se fosse pouco). Estes são os mesmos que vivem esquecidos do que leram e do que souberam um dia: em todo o Sul, há Osórios de ponta e de destaque em cada município da região, desde prefeitos a juízes de paz, desde vereadores a pastores neoevangélicos que arrastam multidões. O poder, pois, está com eles. A exceção é Imaruí, onde Osório algum logrou se criar até os dias atuais. Matus Osório, aliás, foi dos primeiros a tentar a façanha, e esta derrota é mágoa que guarda candente em sua longa vida.
Manoel Osório esteve em Passo de Torres e pôde haurir as sábias palavras do ancestral, ilustre acima de todos os demais:
- No meu tempo, bastava a palavra de um homem honrado para incriminar indelevelmente um safado. Hoje, eles lambuzam suas impressões digitais por tudo que é canto, deixam-se filmar e fotografar no ato, e saem ilesos, dizendo-se injustiçados e perseguidos.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com. Textos avulsos do autor podem ser lidos em http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=34029.
"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."
Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.