Para ti
Qualquer descuido era suficiente. Da primeira vez, a saudade. Andei até lá, olhei, lembrei e pronto - porque com a saudade estou acostumada. Sentamos na grama perto do cais, onde eu perdi seu 2H, - que você não amava o suficiente para procurar antes do jantar, mas que ninguém levou embora até o final da noite, quando o recuperamos - e tanto bastou para que um fotógrafo nos lembrasse dos méritos de capturar o sol que já ia embora. Procuramos por um lugar no café, mas a mulher com nariz de batatinha nos convidou para dividir uma mesa em menos de dois minutos. Ela obviamente estava envolvida com autores e editoras dos pés à cabeça e usou muitíssimas palavras no feminino, o tempo todo. Teve também aquele homem muito negro de traços, apesar de branquíssimo, que me tropeçou no furdúncio da praça e depois me convidou para dançar em perdão - era negro na dança também. O dono da Arte e Cachaça - aquele bar minúsculo e quentinho, com a escultura em arame e a caipirinha cítrica de Gabriela - me pediu para assinar a parede e nem assim me descobriu o nome. Então ele me escreveu um postal - "Não sei teu nome, nem de onde veio" - e aí está o requinte da cidade em que até a cantada de bar vem escrita e pintada. Na varanda da casa de Graciliano Ramos, era Jazz. Mas houve Vinícius e Toquinho, os temas budistas, o samba rock do vocalista por quem eu me apaixonei já no sorriso... Na rua da igrejinha, perto do Bar do Barril, onde nós fitávamos o rapaz claríssimo que parecia não gostar de gente, aconteceu uma coisa. Os jornalistas dos jargões não apareceram com seus R's cariocas moldados de garganta e eu tive medo de que essa história ficasse por contar. É difícil demais falar nas flores que não nascem em asfalto, mas em pleno jardim. Qualquer descuido e, lá está, outro botãozinho em potencial e o relato é insuficiente. Aconteceu depois da dedicatória no seu livro, do sarau e do cordel. Um Djavan tímido desabrochava - e essa Flor era a de Lis - ao passo que equivocadamente nos direcionávamos para casa. Uma roda em camadas de pernas malemolentes e vozes protetoras da viola e da flauta transversal lá no meio. Pandeiros, trompete, a filha do violonista nascida e criada no samba e o rosto - que depois eu descobri: vinha de Campinas - mais sorridente de olhos e abundante de maçãs que eu já vi... Na rua. Por toda a rua. Quando o bar fechou, a viola sossegou e a flauta foi embora, José: E agora? A banda foi passar cantando e fazendo as coisas de amor em bloco. O carnaval foi de marchinha à praça, onde a decoração era de São João. O Marquinho da literatura também apareceu, porque estávamos todos lá.
Qualquer descuido era um poema.