3 - O GEMIDO DA CARRETA
Na frente iam Chico, Malhado e o tocador. Já era tarde da noite, duas ou três quadras. Eu?
- Talvez com quatro anos.
Seguiam meu pai, a vovó com minha irmã mais moça no colo, minha mãe não levava nada, estava se recuperando de uma cirurgia. Eu e a minha irmã mais velha levávamos uma trouxinha preza num pedaço de madeira, assim carregávamos o mundo nas trouxinhas. Bem atrás quase se arrastando caminhava a gatinha, com uma enorme barriga, encostando no chão, ela sem ajuda alguma nos seguiu parecendo querer contrariar os que dizem que gatos não se mudam, gatos pertencem às casas. No caminho papai colheu alguns ramos de maçanilha, plantinha que rendia um chá medicinal.
Os postes acolhiam hastes com lâmpadas nas pontas, protegidas por enormes capacetes de louça ágata, brancos por baixo e verde por cima. Sem dúvida era verão e as mariposas voavam freneticamente tostando as asas nas lâmpadas quentes, iam caindo as centenas e se amontoando na beira da rua sem calçamento. No dia seguinte voavam milhares de asas pela rua desprendendo-se daqueles corpinhos já sem vida, que deixavam a vista os minúsculos ovinhos amarelos.
Os gemidos das rodas da carreta iam chamando a vizinhança às janelas. Enfim fomos descobertos numa mudança de miseráveis, planejada tarde da noite para não sermos vistos, pois aconteceria numa carreta puxada a bois. Os três eram velhos conhecidos, passavam regularmente vendendo melancias e melões, Chico e Malhado, com olhos enormes e sempre babando, o tocador segurando os trocados.
Do livro: Passagens de minha vida - 2013 - 2020