Praça Tiradentes - RJ
Chico Anísio, nosso saudoso humorista, mas que também compôs uma das mais belas músicas do nosso cancioneiro, “Rio Antigo” , teve toda razão quando desejou “o ontem no amanhã”. Eu experimentei o mesmo sentimento no último dia 28 de junho, quando fui ao teatro Carlos Gomes assistir a peça “Gonzagão – A Lenda”. Após o término do espetáculo enquanto esperávamos o táxi fiquei a contemplar a Praça Tiradentes e senti grande tristeza de ver um lugar (que na década de 80 era um fervo) tão caído, tão sem vida.
A Praça Tiradentes da década de 80 não era o melhor lugar para ser frequentado pelas famílias da nossa sociedade, pois era uma mistura de mulheres de vida fácil e homossexuais ao seu redor, mas para contrastar com tudo isso, tinha um dos melhores botequins do Rio para servir café, também a famosa sapataria Sapasso, o teatro João Caetano e o teatro Carlos Gomes. O teatro João Caetano tinha uma programação contínua chamada “Seis e Meia”, que dava oportunidade ao povo de assistir aos melhores artistas, tais como Maria Betânia, Gal Costa, Jamelão, Chico Buarque, Alcione, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Emílio Santiago, Elizeth Cardoso, Mestre Marçal, Dona Ivone Lara e tantos outros, por um preço baixo. Esta época posso considerar como o auge da Praça Tiradentes, pois misturavam-se a rale e a nobreza. Frequentei muito esses dois teatros, havia semanas em que ia duas vezes para assistir ao mesmo show e tive a oportunidade de conhecer muita gente boa, bons tempos aqueles. Quando chegava próximo ao carnaval, o João Caetano realizava shows com todos os puxadores de samba das escolas do grupo especial do Rio de Janeiro, era pura emoção. Tudo isso sob a direção primorosa de Albino Pinheiro que após a sua morte ocorrida em 24 de junho de 1999 em decorrência de um enfarte fulminante, o João Caetano começou a sair do seu apogeu no quesito shows populares.
O teatro João Caetano sempre foi o meu preferido, e ele tem toda uma participação dentro do cenário brasileiro, afinal de contas foi neste espaço que em 1824 foi assinada a primeira constituição do Brasil e o Carlos Gomes depois de vários nomes foi assim batizado em homenagem ao autor de “O Guarani”.
Mas voltando a Praça Tiradentes, contemplá-la como tive a oportunidade de fazer no último dia 28 e vê-la reformada, mas sem vida, estando resumida a alguns pontos de ônibus e sem prostituição aparente, sem toda aquela gente circulando, não que eu seja defensora do devasso, mas a praça tinha como uma das suas referências a prostituição, só sendo elevada a um melhor patamar pelo abrigo desses dois teatros centenários. Lembro-me de meu pai que sempre recomendava: desça do ônibus e entre de imediato no teatro, quando o show terminar pegue o primeiro ônibus e saia dali, caso sinta fome venha para casa jantar ou pare em outro lugar para lanchar, menos na praça Tiradentes. Sempre achava meu pai um pouco exagerado, mas sempre obedeci, e dou graças a Deus por isso.
Hoje eu consigo entender a letra de “Rio Antigo” e a emoção de Chico Anísio ao desabafar através da música, toda a sua saudade de um Rio que não voltaria mais, e eu vivi talvez por uns cinco minutos essas lembranças. Não senti saudades, apenas fortes lembranças, e comecei a cantarolar “Rio Antigo”:
Quero um bate-papo na esquina
Eu quero o Rio antigo
Com crianças na calçada
Brincando sem perigo
Sem metrô e sem frescão
O ontem no amanhã
Eu que pego o bonde 12 de Ipanema
Pra ver o Oscarito e o Grande Otelo no cinema
Domingo no Rian
Me deixa eu querer mais, mais paz
Um pregão de garrafeiro
Zizinho no gramado
Eu quero um samba sincopado
Taioba, bagageiro
E o desafinado que o Jobim sacou
Quero o programa de calouros
Com Ary Barroso
O Lamartine me ensinando
Um lá, lá, lá, lá, lá, gostoso
Quero o Café Nice
De onde o samba vem
Quero a Cinelândia estreando "E o Vento Levou"
Um velho samba do Ataulfo
Que ninguém jamais gravou
PRK 30 que valia 100
Como nos velhos tempos
Um carnaval com serpentinas
Eu quero a Copa Roca de Brasil e Argentina
Os Anjos do Inferno, 4 Ases e Um Coringa
Eu quero, eu quero porque é bom
É que pego no meu rádio uma novela
Depois eu vou à Lapa, faço um lanche no Capela
Mais tarde eu e ela, pros lados do Hotel Leblon
Um som de fossa da Dolores
Uma valsa do Orestes, zum-zum-zum dos Cafajestes
Um bife lá no Lamas
Cidade sem Aterro, como Deus criou
Quero o chá dançante lá no clube
Com Waldir Calmon
Trio de Ouro com a Dalva
Estrela Dalva do Brasil
Quero o Sérgio Porto
E o seu bom humor
Eu quero ver o show do Walter Pinto
Com mulheres mil
O Rio aceso em lampiões
E violões que quem não viu
Não pode entender
O que é paz e amor
E assim cheguei a minha casa pensando estar na década de 80, dormi, e quando acordei estava de volta a 2013.
Dalva dos Santos