O Colecionador de Letras


Foi com grande esforço, talvez com o uso de todos os meus neurônios, que consegui aprender a ler. Sabia precocemente da importância das pequenas letras. Invejava, apesar de afirmarem ser este um mau sentimento, aqueles que dominavam a arte de compreender o que as tintas representavam.

Via os adultos afirmando: estava escrito. E assim auferi uma fé tremenda a tudo que vinha grafado e impresso nas folhas de celulose branca. Eu ansiava por dominar as técnicas e o saber. Não sei porque tanto me demoraram a matricular na escola. Somente aos cinco anos ingressei na pré-alfabetização.

Meus pais não acreditavam no meu interesse precoce ou talvez quisessem proteger-me ou fosse pela mudança de cidade que a família atravessou na época, comecei tarde. O primeiro dia de aula foi um êxtase, um encanto a longa data esperado. Meu irmão mais novo, ao contrário, chorava, urrava, dava birra para não ir à escola. Eu temia que pensassem o mesmo e me impedissem de começar a estudar. O bom senso venceu e comecei a aprender.

Somente não sabia que seria tão difícil desenhar as letras, depois encaixá-las em sílabas e formar palavras e compreender as palavras. As frases vieram em seguida e eu sabia que estava pronto quando li o cabeçalho de um jornal. Em seguida me deram uma revista em quadrinhos. O Zé Carioca e o Mickey tornaram-se meus mentores iniciais.

A partir daí tornei-me um vital colecionador de letras, de livros e de informação. Com tal excentricidade, logo veio o isolamento, a busca pelo silêncio, a análise esmiuçada dos comportamentos humanos. Aprendi a me relacionar com o próximo na juventude e as necessidades da sobrevivência, além de inúmeros percalços afastaram-me por anos das letras.

Recentemente voltei a escrever. O universo encaixou-se, as portas abriram-se, os caminhos iluminaram-se, os convites vieram e aqui estou, a importunar o planeta com a minha febril vontade de juntar letras, em seguida as sílabas, as palavras, frases e textos. Se houver um nome para esta doença, se for uma doença, desde já considero-me em estado crônico, avançado e terminal...