O LADRÃO EUNUCO
Ela dá uma cutucada e grita:
- Seu filho de uma puta!
Para quem não sabe, eunuco não é um viado. Eunuco é, segundo relatos antigos, o servo castrado para cuidar das mulheres do rei. O eunuco não tendo condições de ter qualquer tipo de relação sexual, não poderia, por esta razão, dar umas trepadinhas nas beldades do monarca. Quanto a isto o soberano ficava tranqüilo. É claro que o castrado recebia, de quando em quando, uns trocadinhos por fora, e facilitava os tarados necessitados do castelo.
Bem, a história é outra.
Minha filha Izabela freqüenta um curso noturno para os semi analfabetos na língua inglesa. Do local do curso até a casa dela tem uma boa distância, pessimamente iluminada, e freqüentada por malandros e vadios cachorros que se amoitam na calada da noite.
Ela desenvolve ações sociais, e é portadora de um bom coração. Adotou, por segurança, um desses vadios quadrúpedes desta rua. O adotado, já sabia o horário do final da aula, deixava o coral de uivos e vinha para frente da escola esperar minha filha. Com um olhar de puta velha carente, de rabo abanando, ficava de olho na porta de saída. Ela saia e ele a acompanhava até a entrada de seu condomínio. Tudo isto ele fazia por conta de um pedaço de pão ou bolacha.
E o inesperado aconteceu.
Amanheceu um dia incrivelmente frio e chuvoso, e o maldito chuvisqueiro não parou hora alguma.
A aula de inglês termina, a porta se abre, e lá estava ele, todo molhado, feliz abanando a cauda.
Minha filha, debaixo do guarda chuva, arremessa um pedaço de pão, passa a mão na cabeça dele, e a largos passos se dirige a sua casa.
A chuva caia pesada, e os dois rumo à casa.
Aqui e ali, um ou outro pedinte, e malandros por debaixo das marquises. A cachorrada enciumada, não se sabe, ladrava enlouquecida para ela ou para seu amigo pulguento.
Destemido o guapeca, olhava seus semelhantes, mas seguia fiel a sua protetora. Por certo pensava: - Hei de protegê-la com unhas e dentes!
O sarnento molhado seguia os paços encharcados nas poças de água. Era o próprio escudeiro seguindo seu herói.
De repente um carro para, e salta dele um truculento, que via, na bolsa que minha filha carregava, o dinheiro transformando-se em fumaça.
Derrubou minha filha agarrando sua bolsa.
A luta era desigual.
Por certo o cachorro entendeu que o miserável queria o pão ou a bolacha que ela carregava. Latiu primeiro para impor respeito. Seu latido fraco e esganiçado de nada adiantou. Então avançou e começou com dentadas para tentar afugentar o ladrão.
A luta era ferrenha agora.
Minha filha defendendo a bolsa, o cachorro defendendo seu pão e o ladrão querendo o dinheiro.
Ela, no alto poder de sua raiva, quebra o guarda chuva nas canelas do ladrão enquanto o cachorro gruda, com uma dentada, o saco do miserável
Ela, num golpe certeiro,dá uma cutucada nos grãos dele, e grita:
- Seu filho de uma puta!
Ouviu-se um grito de terror e o som de dois plim, plim no chão.
O bandido eunuco fugiu deixando o carro e as bolas perdidas no asfalto.
Minha filha, perdida em lágrimas, deitada no asfalto, toda molhada, era consolada pelo seu adotado que lhe lambia o rosto e suas mãos, dizendo feliz:
- Parabéns Izabela, você lutou valentemente defendendo meu pão e minhas bolachas.