O Menino o qual despeço...

Ela era tão pequena que quase passava por entre as grades da varanda do segundo andar. As mãos pequenas bem firmes e a curiosidade empurrando seus olhinhos para os carros que passavam lá embaixo e eu me vi sorrindo bobo para aquela cena.

Por que toda vez eu me encanto? Por que nunca é só uma criança para mim? Por que tem de ser sempre o reflexo do meu crescimento dolorido de um menino que dentro de mim ainda luta para não se sufocar?

Mas aí eu só sorrio enquanto dentro de mim ainda fica a fisgada sobre o coração menino que ainda espera que o tempo não seja tão duro com ele e que as responsabilidades possam simplesmente serem adiadas até que alguém venha e resolva tudo. Só que a cada dia o menino está cedendo.

Está morrendo. E eu choro essa perda.

Eu sinto falta de quando eu não sabia das partidas e dos desgastes. Eu sinto falta de quando podia perceber os cheiros e cores e andar sem correr pelas ruas...

Hoje minha mochila não tem mais rodinhas e dentro dela, em minhas costas, pesam as responsabilidades da caminhada rumo à ser alguém que estou longe de ser. Hoje os meus passos nem sequer percebem que o tamanho da lua mudou, que as arvores já cantam uma nova estação.

Não aprendi a querer ser algo que não esse menino.

Não aprendi a querer ser cinza, a querer ser forte, a querer ser suficiente. Esse menino ainda ama. Esse menino ainda ama olhar o vento soprando folhas ao chão e ama procurar com os olhos claros algo bonito pra sorrir.

Eu ainda amo de mais as pessoas que eu sei que partirão. Ainda estou guardando dentro delas porções grandes de mim. Eu ainda oro para que ela nunca partam e choro ao saber que nem sei fazer a oração certa porquê de uma forma ou de outra essa oração eu tenho feito só na escuridão do meu quarto.

Eu ainda me apego aos cheiros, eu ainda me apego às cores, eu ainda não sei me achar quando tudo à minha volta é cinza porque eu nasci cinza e amo o contraste que só o menino sabe fazer. Eu me perco como um borrão quando tudo o que tenho que ser é o que eu tenho que fazer.

Eu ainda não aprendi a pintar sozinho, a escrever sozinho e a ser sozinho neste mundo. Eu que já fui assim não quero nunca mais ser.

Desaprendi. Não quero aprender de novo.

Só que esse menino não tem forças. Esse menino está gritando e ninguém o pode ouvir. Só minhas lágrimas. Só elas o veem e o consolam. Elas vêm e o abraçam e na frieza do que estão querendo me tornar elas o vão lentamente encharcando e esfriando até que um dia este menino esteja lá congelado. Até que não mais se ouça sua voz.

Eu queria tanto ser sempre esse menino.

Na simples hipótese de ser algo que não ele a vida perde a razão.

Eu queria tanto ser pra sempre esse menino, mas as pessoas estão partindo, as folhas estão caindo, os dias estão passando, as responsabilidades estão crescendo e a vida tem de seguir. Se é que isso que existe sem esse menino pode ser chamado de vida...

Eu queria sempre ser esse menino. Ele e seus traumas, ele e seus medos, ele e sua fé, ele e sua beleza, ele e sua simplicidade, ele e sua vontade de crescer...

Sim... Ele queria crescer... Ele queria porque ele não sabia que lhe custaria a própria existência quando o conhecimento lhe roubasse o espaço dos sonhos e a realidade lhe roubasse a beleza dos contos e o terno roubasse o conforto do macacão.

Oh menino... eu queria tanto te abraçar e dizer: não morra...

Eu chorarei sua partida a cada dia...

Chorarei até que enfim o cinza me impeça de te ver ... Então eu serei só mais uma coisa triste, sem definição, sem cor, sem um som bonito como você é em mim...

Oh menininho... Eu daria a minha vida pra não te ver morrer.

Só não o posso fazer porque a vida que há em mim é você...