Crônica de mais um dia de caos
O dia poderia ter seguido a sua mais perfeita ordem. O sol brilhando no alto das dez horas da manhã, carros subindo as ruas com suas pressas naturais e vendedores ambulantes atraindo os clientes com suas retóricas conhecidas. Poderia, se uma nota de vinte reais não tivesse sido encontrada por um homem albino de estatura mediana e tatuagem de ancora no braço esquerdo, no meio da praça. É que o homem andava olhando para todas as partes e pessoas. Usava bermudas coloridas e camisa jogada nas costas, usava um chinelo azul.
Só que dois aposentados conversavam saudosistas no banco da praça e não aprovaram a atitude irreverente de caminhar do sujeito albino. Um deles usava boina caqui e o outro chapéu camurça, o primeiro se lembrou que antigamente havia um respeito diferenciado e que andar nu da cintura para cima era considerado ultraje, ainda mais com tatuagem de pirata. O outro concordou riscando um olhar verticalizado sobre a vitima acrescentando que boa coisa aquele não seria. De repente o sujeito se abaixa e junto aqueles olhares maculosos que enxergaram a nota de vinte reais sendo apanhada e cuidadosamente colada no bolso. Com poderes de autoridades constituídas pelo tempo os aposentados se levantaram e atravessaram o caminho do homem, que sem entender nada olhou assustado aquelas caras enrugadas sedentas de contendas.
Quando um deles gritou devolva o dinheiro que colocastes no bolso, o outro já tentou arrancar a força, mas o albino não havia gostado daquilo e segurou a mão do velho, com um golpe torceu-lhe o braço dizendo coisas obscenas no seu ouvido. O amigo vendo que os dois eram insuficientes para vencer a batalha gritou por socorro, um guarda de transito que ajudava na ordem enquanto o semáforo sofria um reparo deixou o cruzamento das ruas e correra em direção aos três. O albino empurrou o velho de lado e esperou o guarda que vinha correndo feito galinha choca para defender o pinto, só que no meio do caminho dois ladrões fugiam após um assalto ao táxi branco da outra praça, ao verem o guarda em desatino com seu apito estridente sacaram de uma replica de pistola apontando para uma multidão que estava em um ponto de ônibus, ameaçando descarregar a arma sem alvo definido se ele desse mais um passo ou mais uma soprada no apito.
O guarda que ainda não tinha visto os ladrões pediu calma parando de correr e apitar. No cruzamento um carro de pizzas não sabia que o semáforo estava com defeito e entrou na frente de uma Kombi que levava carne clandestina, no impacto, pedaços de carnes e pizzas ainda quentes se lançaram aos pés de mendigos que tomavam cachaça na calçada, ao verem a fartura um deles se ajoelhou chorando e agradeceu a Deus pelos tira-gostos, ainda disse que se não fosse pedir demais jogasse um barrilzinho da cana só para equilibrar o estômago. No meio da confusão alguém perguntou para o senhor de chapéu de camurça se ele já conhecia o investigador fulano, que procurava pistas de passadores de notas falsas, o velho com um leve suor na testa escorrendo para o queixo não soube responder. A pessoa apontou para o albino e disse ainda que a quadrilha usava o truque de deixar cair uma nota falsa e pressionar quem achou a devolvê-la, só que a nota tinha uma marca que só eles conheciam desta forma só aceitavam outra nota, ou seja, uma verdadeira. O velho baixou a cabeça, olhou para o seu companheiro que coçou a careca numa breve retirada da boina e nada disseram. Os ladrões foram surpreendidos e presos por policiais civis que estavam na espreita, para alegria da multidão que estivera em perigo. Os velhos saíram de fininho, mas antes olharam em todas as direções buscando o albino que não estava em nenhum canto da visão.