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Encruzilhadas

Há duas noites, como sempre acontece após meu marido chegar em casa, fomos dar uma volta à pé pelo bairro, com nossa cadela Latifa. A noite estava fria e bonita, e estes passeios em noites de inverno sempre me deixam revigorada. Subimos a rua, seguindo nosso trajeto normal, parando para que Latifa pudesse 'cheirar' os matinhos e fazer suas coisas de cachorro.

Meu bairro é cheio de encruzilhadas, e geralmente, à noite, as ruas são praticamente desertas.

Quando descíamos a rua para voltar para casa, Latifa parou de repente em uma dessas encruzilhadas. O pelo eriçou. Logo pensei que ela estava vendo algum cão ou gato - ela fica louca nessas ocasiões, e é preciso muita força para segurá-la. Olhei em volta, e também, na direção para onde Latifa estava olhando, e ela ficava virando a cabeça como os cães fazem quando estão curiosos. Não vi nenhum animal ou pessoa.

Meu marido gritou de repente: "Ana, puxe ela!" Eu tentei, mas parecia que ela estava com as patas pregadas no chão. Eu disse: "Estou tentando, mas ela não vem!" E ele respondeu: "Olhe para baixo!"

Fiz o que ele disse, e vi um despacho de macumba bem no cantinho do meio-fio. Imediatamente, senti um arrepio de horror ir subindo pela minha coluna: Latifa não estava olhando para o despacho, mas para alguma coisa que estava logo acima dele. Mas nós olhávamos, e não havia nada ali. Meu marido assumiu a guia, e puxando e empurrando, finalmente conseguimos tirá-la dali; mas ela parava de vez em quando para olhar para trás.

Acho que foi uma das situações mais apavorantes que já vivi. Dizem que os cães podem ver coisas que não vemos, e sentir coisas que não sentimos.

Certa vez,  assim que nos mudamos para esta casa onde hoje moramos, eu estava lendo na rede da varanda em uma tarde de sol. Aleph, meu cão (já falecido) de repente olhou para dentro de casa, através da porta de vidro, e começou a rosnar. Ele sempre fora um cão muito dócil, e pouquíssimas vezes nós o víramos rosnar daquela maneira. Pensei tratar-se de algum bicho. Levantei-me da rede e fui olhar, mas não vi nada dentro de casa. Perguntei: "O que foi, Aleph?" E ele rosnou de novo, o pelo arrepiando. Olhava para dentro de minha sala de estar vazia.

Abri a porta e chamei-o para entrar, pois fiquei achando que talvez pudesse haver alguém dentro da casa. Mas ele recusou-se a entrar, permanecendo do lado de fora, rosnando e latindo. Bem, medrosa como eu sou, fechei a porta e fiquei do lado de fora, até o medo passar...

Confio muito em meus cães e suas percepções, principalmente, no que tange à pessoas. Se eles são dóceis e as aceitam bem, fazendo festinhas, sei que posso confiar nelas; se as ignoram, mantenho um pé atrás; mas, se eles rosnam e latem - raras ocasiões, ainda bem- , eu logo desconfio!

Antes de comprarmos esta casa, ou de sabermos sequer que ela existia, durante um passeio com Aleph, ele praticamente arrastou-me para esta rua. Tentei dissuadí-lo, pois nunca tinha vindo aqui, e tinha receio de que não gostassem de nossa presença (é uma rua sem saída com poucas casas), mas ele insistiu, e acabei seguindo-o. Subimos a ladeirinha, e ele de repente, sentou-se para descansar bem em frente ao portão desta casa, que na época, tinha um muro baixo.

Olhei para dentro, e pensei: "Eu gostaria de morar em um lugar assim!" E hoje, graças ao Aleph, aqui estamos.


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 05/07/2013
Reeditado em 03/04/2015
Código do texto: T4372956
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