NANA, NENÉM!

Apesar dos meus nove anos de idade, eu percebi que havia algo diferente na manhã de 31 de março de 1964, no bairro da Glória, em Vila Velha, onde eu morava na época. Com essa idade, eu não conseguia imaginar por que o ar estava parado, o porquê de todo aquele silêncio. Minha mãe pediu-nos que não saíssemos de casa, mas não nos disse a razão. Havia comentários de que os ônibus da viação Alvorada não estavam circulando, que a rodovia Carlos Lindemberg estava vazia... fomos lá para ver e estava mesmo.

Em nossa casa, nós não tínhamos TV e nem dinheiro para comprar jornais, mas costumávamos ouvir rádio, por isso lembro-me bem de ouvir um dos locutores falando que o exército tomara o poder. No dia seguinte só se falava que houvera um “golpe militar”, mas se eu conhecia bem o segundo termo, em função de meu pai ser sargento do exército, não sabia exatamente o que significava o primeiro.

Vivi o resto de minha infância e toda a adolescência sem me perguntar por que aquela data passara a ser feriado nacional e a causa de nós termos de marchar como soldados, nos desfiles escolares. Talvez isso tenha acontecido porque aos 13 anos eu me mudara para Linhares, onde só fui ouvir falar sobre os tais “porões da ditadura”, lá por volta dos 17 anos, quando começaram a me chamar para ouvir, escondidinho, a música do Geraldo Vandré, “Caminhando e cantando, seguindo a canção...”

Cinco séculos após dormir em berço esplêndido, uma gota d’água (os 20 centavos) caiu sobre o olho do povo brasileiro e acordou o “gigante”. Lindamente, desde então, as pessoas de bem, que querem que as demais tenham saúde, educação, segurança e transportes como as de primeiro mundo, têm ido às ruas ( já fui também), gritando uma pauta, que tem como “pano de fundo” valores como honestidade, respeito e decência. Isso me evoca o que aconteceu na França em 14 de julho de 1789, quando imbuído dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, o povo tomou a Bastilha e iniciou a Revolução Francesa.

Creio que a maioria dos participantes dos atuais movimentos sociais em prol do bem estar de todo o povo brasileiro, sabe que as privações pelas quais passamos têm como origem a ganância e a desonestidade endêmicas, que estão tatuadas no DNA dos corruptos, dos desonestos, daqueles que se aproveitam dos menos favorecidos pela sorte, e que por isso é preciso combatê-los.

Acontece que no meio (na frente, atrás e em todos os lugares) dessas pessoas de bem estão os mal intencionados: os arruaceiros, os bandidos, os ladrões e os covardes, que encobrem seus rostos e se infiltram. Esses merecem mais do que spray de pimenta e bala de borracha, talvez cassetetes no lombo, com toda força.

Destituídos de suas bandeiras partidárias, rechaçadas pelas pessoas de bem, nesses movimentos, estão, também, aqueles que defendem ideologias esquerdistas ou direitistas, que, muitas vezes, não são suas, mas de quem paga seus salários. Estes, por sua vez, interessam-se apenas por assumirem o poder para se locupletarem e aos seus e, preferencialmente, para em cargos políticos se perpetuarem.

Há como refutar que entre as pessoas de bem, também, estão aqueles que se sentam sobre seus rabos e não veem os seus defeitos? Refiro-me aos estudantes que clamam por honestidade, mas não são exemplo disso, pois colam, copiam textos da internet, assumem autorias indevidas e, ainda, consideram idiotas os professores que enxergam isso, sob o argumento imbecil de que “quem cola não sai da escola”?

Alguns deles, uma vez graduados, já empregados no serviço público, apresentam papéis certificando competências mentirosas, para obterem vantagens salariais, concedidas por gestores que não têm coragem ou disposição para impedir que os usuários e os contribuintes sejam lesados em seus tributos.

Certamente, na turba que participa ou que apenas assiste, estão também os que furam filas, os que corrompem a polícia, os que têm dois a três empregos públicos, no mesmo horário, em municípios diferentes, fingindo que conferem dignidade a quem "paga" os seus salários. Certamente, deve haver, também, os “inocentes” que não veem como desonestos os atos que desrespeitam os direitos autorais, pois não acham nada demais em comprar CDs ou DVDs piratas, por exemplo.

Talvez a “Primavera árabe”, movimento popular egípcio ocorrido na praça Tahrir, no Cairo, entre 25 de janeiro de 11 de fevereiro de 2011, buscando derrubar o regime de Hosni Mubarak possa ser considerada o início desse tipo de iniciativa popular em vários locais do mundo. Contudo, é importante considerar, que, no dia 03 de julho de 2013, o exército daquele País suspendeu a Constituição e declarou o chefe do Tribunal Constitucional, Adly Mansour, como presidente interino do País, no lugar de Mohammed Mursi.

Não sei não, mas diante das conquistas já alcançadas e dos rumos desrespeitosos e perigosos que os levantes populares brasileiros estão tomando, estou sentindo, novamente, o cheiro do dia 31 de março de 1964. Por isso, não convoco que voltemos a dormir, pois já aprendemos que juntos somos fortes, mas, talvez, seja melhor tirarmos um cochilinho.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 04/07/2013
Reeditado em 10/07/2013
Código do texto: T4371626
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