Casos e Acasos
Eric do Vale
Mal coloquei os pés dentro de casa, a minha mãe me perguntou:
-Sabe quem morreu?
- Quem?
- O Dias Gomes.
- Ele já contava setenta e poucos anos...
Só então,quando liguei a televisão,tomei conhecimento da razão de sua morte, acidente de carro.
Ele havia estado, meses antes, na Bienal do Livro aqui de Fortaleza. Como o trânsito estava caótico, cheguei alguns minutos, após encerrar a sessão de autógrafos e concluí: “Daqui uns meses irei a São Paulo. Certamente ele estará na feira do livro de lá...”.
Enquanto ia me lembrando desse fato, a televisão não cessava de falar da sua trajetória. Novelas, minisséries, peças de teatro, livros! Eu me questionava: “Como ele conseguiu criar esses personagens?”. Tal pergunta havia feito anos antes, quando comecei a ler as histórias do Monteiro Lobato.
Na terceira série, a professora perguntou aos alunos o que cada um queria ser quando fosse adulto. Quando chegou a minha vez, eu respondi:
-Escritor.
- Mas escritor não ganha dinheiro.
Essa não foi à primeira desmotivação com que deparei. Por mais que eu me esforçasse, a minha caligrafia estava longe de ser legível, o que me levou a crer, equivocadamente, que não tinha nenhuma chance no ramo da escrita.
Embora o meu complexo de inferioridade perdurasse, a morte de Dias Gomes, de certa forma, impulsionou-me para que eu voltasse a sonhar com a carreira literária. Nessa mesma época, houve um concurso de teatro no colégio e alguns colegas de sala manifestaram o desejo de participarem, mas precisavam ter uma peça escrita que fosse inédita.
Levando em conta que a minha letra não era das melhores e que o computador, naquele momento, para mim representava um “bicho de sete cabeças”, assumi a função de dramaturgo sem ter noção de como escrever uma peça de teatro.
Sentei-me defronte ao computador e redigi a peça em um dia. Apesar de todo o nosso empenho, não nos classificamos. Por outro lado, isso me fez pensar em escrever outra peça para o próximo concurso.
Daí em diante, comecei a rascunhar alguns textos no meu caderno escolar sem me importar com a caligrafia e, simultaneamente, utilizei o computador com mais frequência. Consequentemente, inscrevi-me em diversos concursos literários e passei a colaborar com o jornal da cidade.
Aqui estou contando essa história. Somente agora percebo que o problema da minha letra é “fichinha”, comparado a gagueira de Demóstenes e a surdez de Beethoven, percalços que não os impossibilitaram de atingirem com muito êxito seus objetivos.
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