CRÔNICA – O pior São João de minha vida – 01.07.2013
 
 
CRÔNICA – O pior São João de minha vida – 01.07.2013


 
          Uma tristeza desenfreada tomou conta de mim nos últimos meses. Começou com a venda de minha casa na praia, que eu considerava meu paraíso, minha válvula de escape para, muitas vezes, esquecer as mágoas ao som das ondas, do balançar da folhagem dos coqueiros, dos cantares dos bem-te-vis, dos churrascos, da cerveja e dos amigos e parentes que me visitavam frequentemente.
 
          Lembro-me, como se hoje fora, que alguns amigos me disseram há 22 anos que casa de praia só proporcionava duas alegrias aos proprietários, quais sejam: quando compravam e quando vendiam. Até certo ponto é corretíssima essa afirmação, todavia comigo não foi assim, pois me tomou conta uma tristeza avassaladora e uma saudade sem igual dos bons momentos que passei com a minha família e nossos amigos. O que dizer da minha horta, onde cultivava várias espécies, tais como alface, coentro, cebolinha, tomate, pimentão, quiabo, jerimum, couve, beterraba, pepino, chuchu, além de feijão e milho e macaxeira. Isso afora o meu pomar com coqueiros, maracujá, manga, sapoti, pinha, caju, abacate, jambo, acerola e bananeiras! Quando fazia a limpeza dos canteiros eu me sentia um sujeito feliz, o tempo passava que eu nem sentia, pois dali eu retirava boa parte da alimentação da casa. Não havia problema de seca, pois a água era retirada de quatro poços implantados no terreno daquela linda casa.
 
          Detalhe interessante é que muitos de meus escritos foram inspirados ali bem junto à beira mar, onde as ondas praticamente batiam no meu muro, e muitas vezes eu viajava por esse mundo afora sem sair do lugar, mas eram percursos longos e belíssimos, que me faziam muito bem ao corpo e a minha alma. Saber que não mais terei essa chance pro resto da vida chega a me deixar amargurado, as lágrimas correm não por fora, mas por dentro do peito, este que tanto sofreu nesta vida.
 
          Por vezes, quando preparava e soltava minhas pipas, eu me considerava um menino, aquilo me rejuvenescia de tal forma que trazia benefícios à saúde; a brincadeira de torar a linha que fazia com os pivetes era até certo ponto saudável, mas eles sempre estavam à frente, mandavam muito mais pipas minhas para o chão, embora muitas vezes pelas costas, sem que eu os visse, porquanto eu as deixava amarradas numa árvore e quando chegava só havia mesmo a linha frouxa pendurada e estendida no chão. Mas o prejuízo era pouco, valia por demais voltar aos tempos de criança, como dizia Ataulfo Alves, em “Meu pequenino Miraí”.
 
          Como poderia esquecer os passeios na minha jangada de madeira, feita por mim, movida por motor de popa! Mesmo sem saber nadar um metro avancei alto mar adentro, embora correndo perigo, mas a aventura valeu; valeu muito, até porque sou considerado filho de Iemanjá e por ele protegido dentro e fora d´água.

          Além de tudo, os festejos juninos deste ano foram muito pobres; não vi milho verde barato, salvo o que produzi em casa; não vi uma fogueira sequer, nem pamonha, nem pé-de-moleque, canjica, bolo de milho e outros produtos da época. As quadrilhas de matuto estão se acabando aos poucos, e as que aparecem nem se comparam àquelas feitas naturalmente pelos interioranos, sem roupas e produtos especiais. Hoje elas são tal como no carnaval, utilizam-se fantasias, têm até enredo, como se escola de samba fossem, numa barulheira infernal. Conseguiram roubar do homem do campo até a sua cultura, a sua criatividade e simplicidade, que são as marcas maiores dessa população laboriosa. Numa competição realizada aqui no Recife, que incluiu várias quadrilhas daqui e do norte e nordeste, a vencedora foi uma da Paraíba, por sinal bem bonita, todavia sem nada de originalidade.

          Eu sou afeito às coisas tradicionais, sou tido como brega, subdesenvolvido, arcaico e outras denominações, todavia isso não me ofende, muito pelo contrário me deixa bastante orgulhoso, pois quem não valoriza suas origens não deixa de ser um covarde. Adoro ser cafona, nunca me arrependi disso, e levarei isso comigo até à morte, que já está bem próxima. Ando nostálgico nos últimos dias...

          Restou o dinheiro da venda. Esse foi dividido com meus filhos, na base de 50%, por sugestão de minha mulher, que considera muito melhor beneficiá-los em vida do que “post mortem”, no que corroboro francamente. Trabalho foi fazer a doação direitinha, dentro do figurino, pagando o imposto devido, mas o Estado demorou a liberar as guias pertinentes, todavia o pertinente valor teve seu destino cumprido rigorosamente. Enquanto isso, ladrões lavam dinheiro e fazem movimentações internacionais em paraísos fiscais sem que se tomem medidas para coibir esses ilícitos.

Fico por aqui... meu abraço fraternal.

Ansilgus.
ansilgus
Enviado por ansilgus em 03/07/2013
Reeditado em 12/07/2013
Código do texto: T4369793
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