A SENHORA DE DEZENOVE FILHOS

“Dezenove filhos. Dezoito, porque um deles mora fora.” Essa fala me fez, estremecida, girar o corpo na cadeira para ver a interlocutora. Uma jovem senhora, carregando no colo uma menininha. Chegava, naquele momento, para pedir ajuda, precisava alimentar os seus.

Enquanto aguardava a pessoa com quem falaria, dialogava com um senhor, que também fazia o mesmo na sala de espera, a quem se dirigia com o vocativo “seu menino”.

- Você tem quantos meninos?

- Dezenove! Dezoito, porque um vive fora, mora em Belém.

- E cadê seu marido?

- Morreu. Ele tinha AIDS.

A conversa seguia e cada vez mais eu me via absorvida naquela triste história. Uma vida vazia de perspectiva, dolorosa. Ao mencionar o número de filhos, o senhor a perguntou por que tantos, se a vida era tão difícil. Respondeu, com simplicidade, que começara cedo, aos 10 anos de idade. Disse que se prostituía, viajava para ganhar a vida.

Curioso, o homem perguntou se todos os filhos eram do mesmo pai, ao que ela sem titubear declarou não saber. É também portadora do vírus HIV, assim como quatro dos filhos que teve.

Falando da desgraça que é a sua vida, mencionou que por três vezes tentou o suicídio. Disse que o momento mais difícil que tem de enfrentar, é ter que dizer 'não' aos filhos, explicando-lhes a falta de algo de que necessitam. Embora diga que vai dar um jeito, muitas vezes é incompreendida e se desespera.

E eu fiquei com meus botões: meu Deus, que situação! Atribuímos isso à injustiça social, à concentração de renda nas mãos de poucos, à falta de oportunidade? Muitos julgamentos certamente são feitos a essa pobre coitada, que sequer lamenta. É como se já estivesse acostumada a sofrer, a carregar a incerteza do dia de amanhã.

Compra-se um leite e umas fraldas para a garotinha que ela traz. Resolvidos dois problemas, ao menos. Enquanto isso, eu, na minha clausura imposta, nada faço, fico imóvel, pensando em tanta coisa boa que a vida tem me oferecido e às vezes nem reconheço.

Estou cansada, mas hoje nitidamente eu vejo que é uma grande bênção dos céus ter casa, filhos, marido, faculdade e trabalho para dar conta.

Quanta sorte eu tenho!

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 02/07/2013
Reeditado em 09/08/2013
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