1 - SONHOS E BALÕES

Nesta Porto Alegre cidade sorriso, fomos daqui para lá, sem parar, Cavalhada, Belém Novo, Madepinho, Teresópolis, Lomba do Pinheiro. Em Belém Novo três locais diferentes, na Lomba do Pinheiro também três endereços diferentes.

Na Lomba do Pinheiro o segundo endereço tornava o caminho até escola mais curto e não tão difícil. As aulas, nas manhã frias pareciam congelar os pés dentro dos tamanquinhos, todos nós passávamos frio na pequeninha escola São Pedro, toda de madeira e sem pintura, já bem castigada pelo tempo. Da escola lembro de quase todos, embora alguns eu nunca mais tenha visto desde aqueles distantes 1965 e 1966.

Morávamos na travessa Gírua, numa casinha simples e humilde alugada junto ao seu Recier Mezetti. Não havia energia elétrica, nem água encanada, por isto buscávamos num fonte bem no pé de uma figueira enorme, água dita por muitos como pura e medicinal. Nos dias de chuva os tamanquinho grudavam no barro avermelhado do caminho. Na chegada em casa havia uma espécie de capacho construído por papai, de sarrafo com tampinhas de cachaça pregadas com o corte para cima, bastava esfregar os tamancos e pronto, o barro soltava. Nossos dias eram de luz do Sol, da Lua e de lampião, por isto dormíamos e acordávamos cedo.

Eu tinha um quartinho simples e pequeno ao lado da cozinha, no inverno encostei minha cama na parede aquecida pelo fogão a lenha que estava no outro lado.

Numa tarde outono fui comprar pão no armazém do seu Recier e quando me aproximava enxerguei meu padrinho Jerry entrando no armazém, então perguntei-me, o que ele fazia tão longe de sua fábrica de biscoitos e massas, então me escondi num pequeno bosque de eucaliptos e fiquei observando, logo em seguida ele saiu carregando uma pasta na mão e sumiu na direção da tenda do seu Germano. Rapidamente entrei no armazém, comprei o pão e já na saída perguntei ao Anacleto, filho do seu Recier o que aquele rapaz estava fazendo ali, ele respondeu, que estava oferecendo balões de borracha para festas. Sai pela outra rua, quando cheguei em casa contei para minha mãe que havia avistado o padrinho Jerry e que talvez ele fosse lá em casa. A noite chegou e ele não apareceu. Na quarta-feira seguinte a vovó apareceu e a mãe comentou que eu tinha visto o Jerry, então ela respondeu que ele confidenciara que não teve coragem de aparecer lá em casa, pois estava envergonhado. A minha vó era irmã da mãe dele, minha madrinha e tia avó.

Aquele emprego não durou um mês, fora um castigo aplicado pelo seu pai por ter administrado mal e levado a quebrar a fábrica de biscoitos e massas em Sapucaia do Sul, que recebera de seu pai.

Novamente o tio Irineu apostou as fichas no jovem primo e padrinho, comprou outra fábrica e deu ao filho, também lá pelas bandas de Sapucaia do Sul

Depois de adultos comentei com ele e perguntei quantos balões ele tinha vendido, ele pensou, pensou e chorou, depois respondeu, que nenhum e acrescentou que não havia nascido para vender balões. A padaria quebrou, a Locadora de carros quebrou, quebraram muitas coisas, mas não tardou a prosperar no ramo do cimento, onde amealhou um excelente patrimônio.

Balões e sonhos sempre me confundiram, talvez pela possibilidade de murcharem, ou serem furados por pessoas más, todos nós um dia tivemos pelo menos um balão furado pelo menino mau na saída da festinha. Naquele dia em que ele chorou disse não ter nascido para vender balões, pensei que muitos não nasceram para vender sonhos e saem vendendo pesadelos como se sonhos fossem.

Do livro: Passagens de minha vida - 2013 - 2020

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 02/07/2013
Reeditado em 30/11/2019
Código do texto: T4367716
Classificação de conteúdo: seguro