O estardalhaço de uma socapa

João Vintém queria ir à passeata para um Brasil melhor. Pegou a sua socapa de vingança – típica do movimento Brasil afora - e se aprontou com apito e cartolina para um cartaz. Saiu de casa. Na descida de eu prédio ele teve tempo de encontrar a dona Gertrudes, simples senhora de mexericos afiados. Cumprimentou-a com um bom dia e recebeu um desdenhoso sorriso como resposta.

Seguiu rua afora andando em direção ao lugar marcado com amigos para, enfim, lutar por um país melhor. A verdade é que João Vintém não sabia para que e nem como protestar - João Vintém era até ali um brasileiro nato: deitado eternamente em berço esplêndido. Aí ele teve a ideia de escrever na cartolina uma frase de efeito. Primeiro problema: Mas qual? Todo mundo estava indignado com a política, com o desmando dos partidos, com a roubalheira no Congresso. E ele? Com o que estava indignado? Aí João Vintém, no seu pensamento lento, não deixou por menos e teve uma ideia supimpa! Escreveu em letras garrafais o protesto do século: “Fora Dilma!”

Mal sabia João Vintém que a presidente Dilma sair não significa nada. Nem era algo legal. Mas ele não queria saber. Ele agora tinha o que gritar. E com aquela máscara “irada” no rosto João Vintém sentia-se deus, um herói da pátria.

Em dez minutos de passeata ele viu um grupo queimando uma bandeira do Brasil. Ele foi lá impetuoso e pisou a bandeira em chamas gritando o único grito que decorou: Fora Dilma! Ali ele foi aplaudido.

João Vintém, então, se sentiu “o cara”. Finalmente tinha descoberto a vocação de sua vida: ser líder de movimentos sociais! Mais adiante um grupo queimava uma bandeira de um partido e lá foi João Vintém, ancho de reconhecimento, pisotear a bandeira e cuspir nela gritando o seu já conhecido grito. Lá também foi aplaudido.

Aí veio a hora da consagração final. Percebeu que um jovem caminhava despreocupado com um megafone na mão. A glória sorriu para ele. Era a chance de ouro de sair do anonimato e ir para o estrelato de ser reconhecido como líder de um movimento sem líderes. Glorioso! As mãos em uníssono aplaudindo e já gritando seu nome para ser o novo presidente da República. Já pensou? Logo João Vintém! Estudante frustrado de três cursos universitários, mal lia jornal, nem assiste telejornal, com o seu feito principal ter zerado um jogo de vídeo game e conseguir dar a cusparada mais distante numa competição estapafúrdia! De repente, esse cara é presidente! É melhor que ganhar na mega sena!

No primeiro descuido do jovem, João Vintém dá um bote no megafone e lá estava ele com o seu bilhete da sorte nas mãos. É agora! Falar é preciso! Mas falar o que?

O povo, em volta parecia estatelado esperando alguma coisa sair da boca mascarada do cidadão. Fez-se silêncio e parece que todo o mundo parou. Não importava que bandeira defendida ou se não estivesse defendendo nada. Era a hora e a vez de João Vintém falar! Então o socapado João Vintém decidiu falar! Aí mesmo com voz meio embolada começou a gritar: Fora Dilma!

No começo alguns “manifestantes pingados” acompanharam e repetiram: “Fora”. Outros visivelmente decepcionados e vaiando João Vintém saíam de perto dele. João Vintém tinha ouvido seletivo. Só ouvia quem gritava o que ele dizia. E ele só dizia a mesma coisa. Então, sorrateiramente, João Vintém acompanhou o que ele gritava com o punho cerrado no ar. Fora Dilma! Fora Dilma! O coro aumentou.

João Vintém sentia que o momento de consagração chegara. De repente, o barulho dos escudos. Era o batalhão de choque. João Vintém não percebeu. Enquanto ele gritava “Fora Dilma”, um grupo que o apoiava começou a jogar pedra nas portas das lojas, a subir em postes, a cuspir nos policiais e a manifestação tinha ficado dividida. Quem queria o bem do país foi mais à frente e entoava outros gritos. Quem queria seguir João Vintém, que eram poucos, se aglomerava em torno e atrás dele somente barbarizando. Aí a polícia viu João Vintém guindo todo mundo e, numa típica cena de Tempos Modernos de um Carlitos com uma bandeira comunista nas mãos, com um megafone na mão palrando há quase meia hora o seu famoso “Fora Dilma’. Não teve dúvidas. Prendeu João Vintém.

João Vintém tinha que pagar fiança. Desonesta. Injusta. Bem alta! Afinal não era líder de nada. Apenas alguém socapado e dizendo por horas a fio a mesma coisa. Mas tinha que pagar coisa muito grande para sair. Coitado do João Vintém! Como o nome já diz era mais um dos revoltosos do Vintém, segundo o eminente e respeitável crítico social Arnaldo Jabor. Vintém não tinha vintém. Então nada feito. Da glória a uma cela fria. Preso e desamparado. E o que é pior: sem máscara. João Vintém se sentiu desiludido. Imaginou a dona Gertrudes passando adiante a má fama dele. Um baderneiro de ficha suja, um vagabundo que se mete em confusão.

A foto no jornal com aquele número na mão e com a altura na parede. Bobagem! João Vintém ainda pensou que um monte de advogados viria para lhe defender. Não vieram muitos, mas ainda bem, para ele, que vieram alguns. Foi defendido. Conseguiu o seu Habbeas Corpus. Sem fama, sem glória, sem presidência e pior: sem socapa! A dita cuja ficou detida. Afinal não se pode impetrar um Habbeas Corpus para uma máscara não é?

Triste fim para a história de João Vintém. Chegou da rua de casa e dona Gertrudes estava na mesma janela, do seu apartamento térreo, cômodo para uma futriqueira e, tristemente, disse:

- Boa noite dona Gertrudes!

- Boa noite meu filho. Você viu a notícia que todo mundo fala? Viu? O segundo “viu” é a confirmação de que a fofoca é “quente”.

- Não vi. O que houve? Perguntou assustado. Será que viria mais bronca para o seu azarado dia?

- Foi preso um jovem bem valoroso e corajoso que gritava “Fora Dilma!” direto. Um jovem de verdade meu filho! No meio dessa juventude transviada que anda por aí... Pausa para enxugar o veneno porque daqui a pouco ela estaria falando dele!

- É? Já sabem quem é ele?

- Que nada meu filho! Tava de socapa engraçada! Essas coisas de filme de cinema. Mas eu vou te dizer: que menino corajoso! Enfrentou a polícia com um megafone na mão e teve coragem. Queria ter a sorte de conhecer esse menino...

Triste e amargurado ele até pensou em dizer que aquele mascarado destemido era ele. Mas a senhora fuxiqueira não iria acreditar. Aquele parvo? Que tem medo até de bomba junina? Difícil hein!

Pois é! O João Vintém conseguiu o que queria: tornar-se conhecido e respeitado pelas pessoas. Mas esqueceu de um detalhe: a socapa! Viu o estardalhaço que faz uma bela socapa?!