Emílio de Chumbo
A sala virou um alvoroço e o Professor Aroeira, sem perder a piada, disse “Aqui é a filial do inferno, garotos!”. Riamos sem parar e depois iniciávamos a discussão das reportagens que cada um trazia para a semana. Não tinha dinheiro para comprar o jornal e então acabou virando tradição: toda terça, às dez e meia da noite, eu ia à padaria Panapan, recolhia os jornais que sobravam, voltava para casa e junto com minha irmã, escolhia uma reportagem estupenda para a aula de história. As quartas-feiras eram algo sagrado para mim e foi em um dia destes que apareceu um aluno novo, grande demais para estar na escola normal.
A diretora foi até a sala e disse que seu nome era Emílio. Seu pai trabalhava em um banco e por isso viajavam demasiadamente, fazendo com que Emílio perdesse alguns anos escolares. Sua altura estava explicada, mas a antipatia por nós não. Emílio não dizia nada, não fazia nada e não brincava com nada. Sentava-se no fundo da sala e franzia a testa com tamanha intensidade que ganhou o apelido, “Emílio de Chumbo”. Todos riam dele como a grande atração de um circo, mas, para mim, de atração Emílio não tinha nada. Via nele um homem e não um menino bobo que perdeu alguns anos escolares. Emílio, de alguma forma, tinha poder na escola. Depois que ele chegou tudo virou silêncio. Os professores explicavam a matéria olhando para seu rosto, conteúdos começaram a ser ignorados e a sala parecia uma verdadeira prisão. Em um dia tínhamos um professor e no outro dia já não era mais o mesmo. Começou uma verdadeira dança das cadeiras. Rezei muito, mas o dia da dança do Professor Aroeira chegou. Entrei em casa chorando e em meio a soluços gritei para minha mãe “É tudo culpa do Emílio, mamãe!”. Ela me fitou de forma profunda e disse “O que você está sabendo?”. Parei o olhar no tempo e entendi que ela sabia o que estava acontecendo. Todos sabiam o que estava acontecendo.
No outro dia, Emílio sumiu. Disseram que seu pai se mudou novamente e que ele foi transferido para outra escola. Mudou-se Emílio e seu pai xará.