Medo!!!!!!!!!!!!!!
Medo!!!!!!!!!!!!!!
Olhei de canto de olho, com aquele olhar medroso, assim de quem viu onça pintada, de quem está prestes a cair de um precipício; como se a vida estivesse por um fio. Não podia me mexer, não sei se era o medo, não sei se estava ainda dormindo. Bem que queria que tudo aquilo fosse um pesadelo, mas não era : eu estava vendo gente morta!
Ele tinha 15 e eu 13. Ele tinha fama de arrebentar fuças novas e eu fama alguma. Era novo na escola e como vinha das terras do Norte, tinha um sotaque assim que chamava a atenção; usava palavrinhas que não se usavam por aqui não, mas que virara motivo de riso, de pirraça, de gozação e fui agüentando até o dia em que reagi e ele disse: Te pego lá fora!!!
Não sou Gandhi, mas sou a favor da lei da não-reação , do pacifismo. Nunca gostei de lutas, sempre evitei encrencas. Nunca fui o tipo valentão, mas também não era covarde. Eu iria enfrentar o sujeito, ou melhor minha cara iria enfrentar o punho dele.
Meu maior medo não era a porrada, já ensaiava a desculpa para minha mãe quando chegasse em casa; o meu medo era a humilhação de finalmente tornar-me conhecido na escola e essa fama eu não queria não; mas precisava enfrentar, por mais que minha mente trouxesse mil possíveis planos de fuga. Era o meu nome, a minha história estudantil que precisava honrar.
O sino tocou e toda a molecada correu para o pátio, eu caminhava; afinal não tinha a menor pressa para a minha execução. A roda foi formada, a torcida lembrava a platéia ensandecida de um duelo de Gladiadores na Roma antiga. Eles queriam o meu sangue e a minha humilhação pública. Eu queria apenas pular aquele momento e estar na minha cama são e salvo.
Nessas horas os adultos desaparecem, anjo da guarda foi passear, amigos se escondem entre a multidão e tudo o que te resta é enfrentar o inimigo como homem. Então, respirei fundo, coloquei a mochila no chão, tirei os óculos ( sim, além de raquítico, eu ainda usava óculos) e vi aquele gigante avançando na minha direção.
Escuridão total...
Tudo o que me lembro em seguida, foi de estar na enfermaria da escola com algodão em uma das narinas e minha cabeça parecendo que ia explodir. Não olhei no espelho, mas desconfiava que tinha virado o menino-elefante. Não tinha, mas demorei uns dias para diferenciar onde começava meu nariz e terminava minha boca.
Sinto desapontar o leitor, mas não consegui vencer a luta. Apanhei e sobrevivi para agüentar a gozação. Meu inimigo foi expulso da escola, se isso servir de consolo para o leitor que levou a porrada comigo, mas devo dizer que essa expulsão em nada melhorou a minha vida, pelo contrário, precisei ser escoltado para casa nos próximos dias pelo meu irmão mais velho. Ainda devo grana para o meu irmão que cobrava hora extra para ser meu Guarda-Costa.
O que isso tudo tem a ver com gente morta???
Sim, esses dias acordei na cama e já não tinha mais 13 anos, o que foi um alivio, contudo, percebi que não me movia e o que é pior havia alguém no quarto junto comigo além da minha mulher. É claro, que pensei no Ricardão ( Alah me perdoe por desconfiar da minha mulher), mas logo senti que essa presença no quarto tinha um gosto assim, como explicar, sobrenatural. Só quem passou por isso sabe, como fica o lençol depois. O fato é que havia um cara no quarto e eu que nunca fui nenhum Ghost Whisperer, comecei a me (desculpe o português) evacuar de medo. Não conseguia me mexer, tinha quase certeza que ainda estava dormindo, mas com a sensação de estar profundamente acordado (catalepsia projetiva para os voadores astrais de plantão) e sentia, via e escutava tudo ao meu redor, inclusive a aproximação desse “ser” que vinha pouco a pouco na minha direção. Tentei me mexer, gritar pelo “Chapolin”, fiz de tudo, mas continuava lá imóvel e quanto mais essa presença se aproximava, mas eu sentia uma estranha sensação que eu o conhecia. Porém, nada poderia me surpreender mais do que constatar que a figura noturna era na verdade o garoto de 15 anos que tinha me enchido de porrada aos 13. Falo “garoto”, porque não lembro mesmo o nome do sujeito ( mente seletiva, chame da forma que quiser). Na hora, juro que pensei em me levantar e lhe dar uns bons tabefes, mas como não conseguia mesmo me mexer, comecei a xingá-lo como todos os palavrões que havia aprendido nos últimos anos. Ele não reagiu, continuou com um olhar distante e se aproximou e sussurrou em meu ouvido: desculpa!
Então ele desapareceu e o pavor, o medo foi sumindo. Continuei sem me mover por um tempinho, até que minha esposa me deu uma cotovelada e eu “despertei”. Lembrava do “sonho” todo e podia jurar que o cara ainda estava por ali, e ele não tinha mudado nada, tinha a mesma cara e a altura de quando o conheci.
Fiquei o dia inteiro pensando no moleque e imaginando se ele tinha morrido ou coisa parecida. Tentei outras tantas explicações, para não cair naquelas histórias de “ofensa e perdão” típicas de livros espíritas. A verdade é que senti de verdade que esse sujeito veio me visitar e pedir desculpas por algo que ele fez há 20 anos atrás. Eu nem lembrava mais disso, fiz questão de esquecer, mas posso honestamente dizer que nunca guardei mágoa, só um ódio mortal que sumiu lá pelos 14 anos, quando descobri que ele tinha mudado de cidade e meu irmão não precisava mais me acompanhar da escola para a casa.
No final tudo fora coisa de criança, não deveria pesar tanto na consciência assim...ou assim eu pensava.
Frank Oliveira
http://cronicasdofrank.blogspot.com