Estranho no ninho
Um dia abriu os olhos, passarinho despido enquanto as cores do mundo bailavam na descoberta no enquanto desse ainda.
Era o ninho, a fonte de tudo, e nele havia vida embaixo das asas quentes, era o único universo que havia de se chamar de lar. E isso enquanto infância bastava.
Criou-se então as asas no piscar do mundo, as penas passeavam pelo corpo, passarinho já não era mais despido, era tolo do mundo sobre a proteção do ninho. Bastava.
Passarinho caiu do ninho de repente, quando a tempestade fez-se presente, passarinho bateu as asas para amortecer a queda e descobriu que fora do ninho havia mundo, e havia mundo fora do mundo, a inquietação do passarinho a beira do lago no qual próximo caiu, era seu próprio reflexo na água, viu-se e voltou para o ninho.
Começou a cair para o mundo todos os dias despretensiosamente, e a cada dia antes de retornar ao ninho, encarava-se nas águas, e toda vez que se via, havia mais, havia muito mais de si, descobriu-se planador, aviador, e flutuante abria as asas dia a dia, queda pós queda. O seu canto fazia tremer as folhas das árvores. O ninho já não bastava tanto, mas voltava.
Seus irmãos no ninho entoavam o canto dos conformados, suas penas eram sem brilho e descoloridas, mas para todos que ali estavam bastavam os voos curtos, os cantos mansos, aqueles eram dias cinzas.
Passarinho, viu e viveu-se, fez de suas quedas providenciais, necessidade. Jamais passou vontade de voar, pousava alegre sobre a beira do lago, banhava-se de vida, sorria, abria o bico e cantava, e cantava até fartar-se do cansaço dos inconformados.
Eis que o retorno ao ninho era penoso, passarinho sofria, o ninho já não era lar, eram paredes de palha, os irmãos cantavam hinos da discórdia , as asas quentes abafavam o cantar do passarinho, suas asas eram de cores diferentes. Passarinho era estranho no ninho, no próprio ninho em que concebido foi. O ninho já não era suficiente.
E lá estava eu, por dias e mais dias, sentada no banco da praça, observando o passarinho voltar para o ninho com um bico sem graça, cobrindo-se de cinza, para que suas penas não fossem motivo do pesar dos demais, cobrindo-se do mais vivaz tom sem cor, porque não entendia, como que o ninho que outrora foste teu único lugar no mundo, transformou-se no mais triste dos teus pesadelos. Passarinho era estranho no ninho, no teu próprio ninho. E sentada,eu só consegui fechar os olhos.