Prisão de passarinho

Tio Fermino está na calçada. Apesar de locomover-se com certa dificuldade, o faz com o auxilio de sua bengala. Além disso, em horas tantas, sua dedicada companheira desdobra-se para o bem servir. Lá pela meia tarde ( se o sol não estiver muito forte) tem por hábito dar sua caminhada pela calçada. Anda apenas por ali, até no final da quadra. Vez em quando dá uma paradinha, olha o movimento em volta e continua. Gosta também de apreciar jardins bem cuidados, o verde e as flores que cercam cada morada. Por vezes, as caminhadas são interrompidas com a algazarra das crianças que frequentemente brincam perto dali. Mas isso não muda o seu humor, é carinhoso com todos. Talvez as artes inocentes ou a bola que erra o caminho e acaba junto a seus pés, lembrem do seu tempo de guri. E foi numa destas tardes, durante sua habitual caminhada, que ele vê na varanda da casa de cor salmão, quase junto ao teto, uma gaiola de passarinho. A gaiola é dourada, mas de longe parece ser de ouro, deve ser por causa do reflexo do sol. Dentro, obviamente um passarinho. Está o pobre bichinho ali, triste, cabisbaixo. Tio Fermino repara no homem que acaba de chegar no seu Corola e constata que é morador novo. É por isso que não havia percebido a gaiola antes. Continua sua caminhada e começa a refletir sobre o visto. Imagina que se esse passarinho tivesse o poder de pensar e até de falar também, diria mais ou menos o seguinte a esse novo morador, que é seu dono:

- Ei, você aí! Pelo amor de Deus, tire-me daqui! Aliás... patrão, posso chamá-lo de você, posso?

Pode sim.

Então me escuta. De que adianta eu ter tudo, do bom e do melhor, se não tenho minha liberdade. Sei que água não me falta, nem comida. Ah! patrão, você não imagina como eu tenho saudade da minha liberdade, eu gostava tanto, mas tanto, de poder voar! Ei patrão, quem sabe a gente troca. Deixe-me sair e faça para você mesmo uma ... gaiola pequena não pode ser, por motivos óbvios, mas faça um gaiola, pode até ser importada. Do tamanho, deixe ver...de preferência uma bem grandona. Digamos...quatro por quatro deve ser o suficiente. Ali dentro, você faria de tudo, até banheira com pegadores de ouro, uma cama bem macia e tudo o mais para complementar uma vida bem confortável. (menos a liberdade) E por favor, não esqueça do cofre (nem da combinação) Guardaria ali seus pertences mais valiosos e os pacotes de dinheiro, mas também não esqueça das verdinhas. Da cotação do dólar e suas oscilações eu lhe informaria. Ou melhor, mandaria que lhe enviassem jornais todos os dias, o que o manteria inteirado do que acontece "lá fora". Daria permissão caso quisesse receber alguma visita especial. Ah!, ia-me esquecendo! Quanto às jóias, estas, colocaria também no cofre. Mas antes, verificaria se são realmente verdadeiras, hoje em dia, nunca se sabe... Pois é patrão,cansei, de tanto falar e até de pensar. O que achou disso patrão, gostou da ideia? Ué... não vai me perguntar o que eu faria com a minha liberdade?, se caso... ficou tão quieto!

Pois eu posso lhe dizer, em primeiro lugar, soltaria a minha voz, essa voz belíssima que Deus me deu, e que sei, não pode ser desperdiçada. E voaria. Voaria com meus amigos, voaria aos bandos voaria no embalo do vento. Quando estivesse cansado, pousaria junto às copas das árvores, em outras ocasiões, desceria e caminharia por entre praças e jardins. Beberia água no chafariz, no riacho e até à beira duma cascata. Ou ainda, poderia encontrar água numa poça d água em qualquer lugar.

Quanto ao amor, dizem que ele é importante, este também eu teria. Teria o amor e a amizade, o respeito e a consideração dos meus, da minha espécie e também da maioria dos humanos. Não apenas iria receber, mas saberia dar também.

Óh patrão! eu aqui conversando dos meus sonhos, do meu enorme desejo de liberdade... que até me esqueci de perguntar, se você ficasse numa gaiolona grandona, ficaria bem? Se sentiria realizado e feliz? Se os móveis não coubessem, poderia aumentar um pouco o tamanho, quem sabe cinco por cinco? Ficaria mais espaçoso. Imagina patrão, se tudo isso fosse se tornar realidade, eu com certeza seria muito feliz!, não com sua prisão, mas sim, com a minha liberdade. Meu canto ecoaria por onde quer que eu passasse. Dá-me a impressão de que conseguiria voar até no fim do horizonte e que teria a capacidade de encostar no céu. O que sei mesmo é que eu seria o passarinho mais feliz do mundo. (força de expressão).

Já é noite e Tio Fermino dorme profundamente, na manhã seguinte, após ter tomado o café, vai direto para o seu pomar que fica nos fundos da sua residência. Caminha por entre os laranjais e ouve o cantar alegre dos passarinhos. Observa-os atentamente e vê que entre eles está um novo companheiro, percebe-o por causa da sua plumagem diferenciada, colorida, linda! Volta e senta-se na sua cadeira de balanço, durante a tarde, a sua caminhada na calçada é sagrada. Quando então vê que a gaiola do vizinho está vazia. O passarinho havia sido solto naquela manhã. No pomar de tio Fermino a festa dos passarinhos continua, o passarinho da gaiola a eles se juntou! Felizes todos, de galho em galho a pular, a cantar. A felicidade ali a reinar.

iranibenderscs
Enviado por iranibenderscs em 29/06/2013
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