Vencendo juntos o monstro
Sabe aquele medo, aquele pavor, aquele pânico, aquele terror, aquele horror, aquela humilhação de ter de se falar em público sendo de temperamento introvertido? É, quanto custa a essas pobres e infelizes almas esse momento de verdadeira tragédia, sensação mesmo de fim do mundo! Uma catástrofe. Ainda bem que pra tudo há uma saída!
E foi em busca dessa saída que fundei a APRE (Associação de Pessoas Reprimidas em Excesso), por descobrir que não só os introvertidos sofrem desse mal, mas também muitos “extrovertidos”. Essa sigla não foi escolhida aleatoriamente. Demandou muita pesquisa e reflexão. Muito estudo sobre as causas desses desesperos por que passam certas pessoas que, por infelicidade, são jogadas de frente aos bichos que mais temem: seu semelhante.
Entrevistando, por horas, dias, meses, anos a fio, pessoas com essa fobia _ medo de gente _, percebi que a maioria foi altamente reprimida quando criança em casa, reprimida quando adolescente na escola, reprimida quando jovem na igreja, reprimida quando adulto no trabalho, reprimida quando bandido na delegacia, reprimida quando paciente na psiquiatria e reprimida quando idoso na velhice. Como se nota, em toda etapa há perseguição, há repressão.
Entusiasmei-me pelo sucesso das associações de alcoólicos anônimos, cujo contato entre as pessoas propicia os desabafos salutares de suas fraquezas, até que todas as confissões de derrotas gerem o fortalecimento dos vencedores. E com esse mesmo ideal fundei a APRE.
Após divulgar com eficácia o valor da associação e a necessidade de freqüentabilidade dos participantes nas reuniões até que se alcançassem os objetivos pretendidos, a primeira a se inscrever fui eu mesma. Fiz bem, pois o local dos encontros lotou já no primeiro dia. Azar de quem deixou para se inscrever no dia seguinte...
Ao ver a ampla sala lotada de gente de todo tipo, de variadas camadas sociais, de diferentes idade, sexo e profissão, dominou-me por completo o desespero. Assim, já bastante motivada, iniciei a terapia.
Cada um teria o tempo que quisesse para expor o que sentia ao ver-se diante dos monstros que mais temia. Deveriam todos ficar à vontade para tremer, gaguejar, babar, se urinar e até se borrar se quisessem. Foi muito interessante. Cada qual, contaminado pelo pânico um do outro, pôs-se a manifestar os mais ridículos cacoetes e tiques nervosos: uns falavam de mais; outros, de menos, uns chegavam a gritar; outros ficavam mudos; os indecisos não sabiam onde pôr as mãos ou os braços, nem onde fixar os olhos, seus pés ensaiavam uns passos de dança esquisitos; muitos rebolavam mesmo; não poucos choravam e até desmaiavam, tamanha era a tremedeira, além de que muitos narizes não tinham mais o que inflar; podia-se, inclusive, ouvir o som de dentes se chocando na boca; houve também quem falasse coisas sem-pé-nem-cabeça; alguns chegaram a virar verdadeiras estátuas, tal era o medo ao se expor em público. Horas depois, foram se acalmando e se desinibindo satisfatoriamente, por perceberem que ninguém mais ligava pra ninguém.
A APRE durou só aquele dia. Acho que todos ficaram curados. Ou não quiseram mais se encontrar com seus bichos.