PARA ALÉM DO ALENTEJO...

No meu rosto o vento da tarde já me batia algo carinhosamente leve a me trazer a brisa fria que se soltava do mar pela foz do rio que nele se amalgamava.

Sobre os ombros, ajeitei o echarpe fino que trazia na mochila e que durante bom tempo me cochichou aos meus ouvidos duvidar que dele precisaria frente ao dia que se esboçara tão quente ao horizonte da aurora lisboeta.

A avenida Roma encantava aos olhos nos trazendo a mescla da modernidade globalizada dos grandes centros urbanos a reverenciar ao mundo o contraste antigo da arquitetura que nos conta a História da nossa história.

Algumas cantinas já espairavam pelos arredores o cheiro dum bom bacalhau norueguês regado ao extravigem da primeira passagem de safras selecionadas, as dos fartos campos das redondezas, sempre acompanhado dum camembert de entrada, juntamente a um tinto desses de cultura familiar tradicional, que nos trazem a inscrição "produto do Alentejo", todo o conjunto de sabor indescritível.

Dentre as casas de culinária típica, via-se também a possibilidade dum "fast food" americano multinacional entremeado na paisagem bucólica da avenida que tem o Tejo como horizonte de tela, o que por um momento me soou como um embaçamento na pintura original da bela cidade .

Vez ou outra uma buzina soava na calma da noite e um bonde disciplinado cruzava a pista lá no fundo da tela a se perder de vista rumo ao seu destino de poesia.

Parei os olhos frente a uma loja de departamentos para apenas observar e aprender sobre as tendências mundiais e locais da hora, embora ali eu percebesse claramente que nenhuma tendência temporária ocultaria a força da tradição impecável e atemporal que se preserva pelo tempo de consciência da identidade histórica.

Uma livraria me chamou a atenção pela foto gigante de Saramago. Entrei e me defrontei com um paraíso intelectual sem mensuração...e por um instante voltei ao meu simples tempo de escola pública onde jamais imaginei que as aulas de literatura ficasem tão vivas dentro de mim a ponto de serem vivenciadas em tempo real pelo andar do tempo que me viria bem adiante.

Ali conversei e trocamos ideias...eu e meus autores preferidos.

Hora de voltar em direção do Alentejo, reajeitei o echarpe que escorregava dos ombros contraídos de frio e saí da livraria para me deparar com um pequeno sebo.

Fernando Pessoa, com o seu mesmo chapéu de abas, olhar distante, óculos diminutos e olhar atento à humanidade, ali me esperava naquelas páginas , na esquina de improvisadas tendas brancas que tremulavam sob a brisa que, do Tejo, já soprava mais forte.

Olhei para sua compenetração, abri o livro e ouvi quando um de seus heterônimos, o mais inconformado, assim me perguntou: " Olá, boa noite, como vai o seu mundo?".

E eu ali, sem muito acreditar no que ouvia, timidamente lhe respondi:

-Boa noite, meu caro. Meu mundo vai a reboque do das suas antigas Quintas. Absolutamente nada mudou. Arre, só príncípes! Todos os mesmos mitos da humanidade, os de desde o seu Alentejo para o meu além lágrimas do Mar salgado de Portugal são aquele mesmo... "nada que é tudo".

Meu único consolo é que todo poeta é ainda mais fingidor, e finge tanto que sua própria dor nele acredita não ser dor, porque afinal, tudo ainda continua a valer todas as nossas tantas penas...quando a alma, se tão grande, jamais será pequena...

Fernando me sorriu mais discreta e misteriosamente do que a Monalisa no seu pódim do Louvre. Talvez sarcasticamente, quem sabe.

Dele me despedi consolada, fechei seu livro e o trouxe para sempre na minha bagagem de volta para casa.