TOU P.

Vi pela televisão ou li em algum jornal, não sei mais, que um jovem carregava numa dessas grandes passeatas que ocorreram no Brasil inteiro, uma placa com estes dizeres: “Tou P.”

No momento não dei maior atenção ao fato.

Só agora , na medida em que vou pensando nisto tudo, é que me dei conta que aquela placa definia a essência das manifestações de massa que presenciamos.

Já me ocorrera que estamos assistindo a um fenômeno mundial, em que as manifestações vão pipocando num lado e outro do mundo, em diferentes conjunturas locais, com diferentes estopins e pretextos. Isto quer dizer que existe algo em profundidade que vem onerando o ser humano, que existe uma pressão existencial crescente, que faz com que a humanidade, fervilhando cada vez mais, sinta, mais do que diz: “Tou P.”

Não sei se os fenômenos se esgotarão por si mesmos, mas tudo indica que irão espocando num lugar e outro, como um grande tremor social percorrendo o mundo. A ferramenta da internet possibilita isto, mas a verdade é que não o explica. “Há algo no ar que não são os aviões de carreira”, como dizia o velho e saudoso Barão de Itararé...

Desconfio que a insatisfação seja, em determinado plano, com o “sistema”. A verdade é que o sentimento comum é que o “sistema” já era: já não assegura o mínimo necessário de bem estar físico e psicológico para que se sofra o “mal existencial” como uma alavanca para o crescimento. Já não possibilita o que chamamos de uma vida normal para a grande maioria. O tecido social está se esgarçando de uma forma desconhecida. Pois não é a economia que está em crise, é tudo. Cada segmento ou conjunto de indivíduos vai passando pelo massacre, que não é material, é psíquico. O devedor de um banco a quem tem que pagar juros impagáveis sofre, não porque não tem onde dormir, como um mendigo, ou como quem passa fome; mas sofre igualmente, com seu nome “sujo”, a falta de crédito, a queda brutal no seu tipo de vida, e por aí vai. Mas quando se pega todos os sofrimentos e se coloca no mesmo caldeirão, o “bicho pega”. A insatisfação é enorme. Além de certo ponto, explode. A comunicação instantânea a dissemina.

Os políticos só agora estão começando a compreender que a problema não é político. E já perceberam que não terão interlocutores. Quem representa quem nesta história toda? Basta ter a pretensão de se apresentar como o representante de um movimento para que imediatamente seja isolado. As células que se juntam espontaneamente também se desagregam espontaneamente. Desconfio que não está nas mãos dos governantes minorar os sentimentos densos e difusos que estão por detrás disto. Muita água passará sobre a ponte para que isto possa ocorrer.

Existe um aspecto subjacente a que poucos se referem por que não é de bom tom. É o aspecto espiritual. Como a maioria das igrejas são vistas como retrógadas ( não sem razão, diga-se de passagem), o aspecto espiritual é desconsiderado. Mas tenho convicção que ele está lá: o ser humano é ávido por espiritualidade, e sua ausência em sua vida é uma das causas mais profundas do sentimento de solidão que domina os indivíduos.

A questão da superpopulação também não ajuda. As pessoas sentem que é impossível sanear o planeta num mundo super-povoado. Tudo vai ficando mais difícil à medida que a população cresce. As cidades viram megalópolis, as vias de acesso engasgam , a demanda por produtos cresce, a economia não responde na velocidade necessária, o Estado se atrapalha entre o clientelismo e a a incapacidade de resolver os desafios que lhe são impostos, a tendência à inflação aumenta, o endividamento cresce ... e por aí vai. Isto sem falar nas guerras, na ameaça permanente do terrorismo, tudo pipocando na cabeça das pessoas. Antigamente estas coisas já ocorriam, mas a história transcorria menos célere; agora não há como travar a sua velocidade incrível, tão incrível que não nos apercebemos do que estamos passando. Quem, um dia antes, poderia prever as manifestações?. Com a comunicação instantânea, tudo cai de uma só vez na cabeça do indivíduo. Um dia, quando menos se espera, percebe-se que milhões de indivíduos estão chegando ao ponto de saturação. Aí estouram os tsunamis. Governos caem, dente morre, mas no fundo muito pouco se resolve. A maioria continua “P. da Vida” e nem sabe porque. É que as razões são profundas e de outra natureza...

Joao Milva
Enviado por Joao Milva em 28/06/2013
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