O LUSTRE
                    

Lembro que uma vez, teria os meus seis anos, subia com a minha tia a escada do prédio onde morávamos,  num segundo andar, sem elevador  e quando passávamos no primeiro patamar a D. Florinda, mulher muito dada à religião, pia e bondosa, saía precisamente de casa.  Cumprimentou a minha tia e depois debruçou-se para me beijar. Eu, tímido como sempre fui, olhei para ela e vi.... vi um pingo grosso, amarelo, que estava pendurado na extremidade do seu nariz, oscilando. A minha tia incentivou-me: « Dá um beijo à D. Florinda, Toninho, vá! Dá lá!».
Eu olhei de novo para o nariz, vi o pingo, ainda maior, ameaçador e não pensei duas vezes. Abalei rapidamente escada acima, levava a chave da porta na mão e entrei, encostando-a.
Senti a minha tia a chamar-me, depois desistiu, lamentando ter um sobrinho assim tão rebelde, não fazia nada que mandasse.
Enfiei-me no quarto, com as persianas corridas devido ao calor que se fazia sentir no exterior e aguardei que ela viesse ralhar-me...  Fiquei por lá, com o coração acelerado, temendo por algum castigo por ter desobedecido. Mas não, entretanto chegou o meu tio, não ouvia claramente o que diziam mas percebi que se riam...
Mais tarde, após o jantar, não ouvi nenhum ralhete e até pareceu que eles me olhavam divertidos.
Já depois de ver um pouco de televisão e de me deitar,  evitava olhar para o teto, pois aquele lustre, pendurado, lembrava-me o outro, assustador e repulsivo, que ficara na extremidade do nariz da D. Florinda!
 

27/06/2013