JUNDIAÍ
Na língua Tupi significa Rio de Bagres.
O rio ainda existe, ainda está lá, mas a estupidez do ser humano acabou com os peixes, com as outras formas de vida do entorno e canalizou as suas águas, agora escuras e sem vida.
Nascida, como a maioria das cidades do interior, da necessidade de local seguro para pouso dos tropeiros e para descanso dos animais de carga, Jundiaí é o outro ponto extremo da linha férrea que começa em Santos, no litoral de São Paulo.
A estrada de ferro Santos – Jundiaí foi construída com os recursos dos barões do café a fim de escoar a produção do ouro verde no finalzinho do segundo império.
O Barão de Jundiaí tornou-se amigo do Imperador e desse, obteve a autorização para importar da Inglaterra toda a estrutura da estrada de ferro, incluindo os trilhos, locomotivas, vagões, estações (ferragens e tijolos), máquinas, móveis, utensílios e principalmente, pessoal treinado para colocar tudo aquilo em movimento.
Até então, o café produzido na região, era transportado para o porto de Santos em lombo de burros, por picadas abertas na mata que sujeitavam os viajantes a toda sorte de perigos, como rios caudalosos, ataques de índios, doenças transmitidas por insetos hematófagos, intempéries e desastres nas trilhas que, muitas vezes, ladeavam precipícios.
Partimos da estação da Luz, no centro velho de São Paulo/capital, pontualmente às 8:30h (felizmente a pontualidade britânica não foi negligenciada) e mais ou menos duas horas depois, descíamos na estação de Jundiaí que ainda ostenta toda beleza dos tempos de outrora.
Pelo caminho, ao lado esquerdo da composição, podemos ver o Pico do Jaraguá, que serviu de guia para bandeirantes e tropeiros.
No centro da cidade visitamos a Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora do Desterro (originalmente a invocação era da Sagrada Família) e o solar do Barão, transformado em museu, cujo acervo faz um resgate do modo de viver dos antigos proprietários.
Depois fomos levados para a Fazenda Conceição, que pertence à mesma família desde 1850. São cento e sessenta e três anos ininterruptos de produção agrícola, antes com os escravos (que chegaram a somar cento e oitenta indivíduos), depois com os colonos imigrantes italianos e atualmente com empregados.
O carro chefe da fazenda é o cultivo do café, Arábica, de bebida suave e doce.
Na Fazenda Conceição são conservados em perfeito estado: a casa grande, a senzala, os terreiros de secagem, as máquinas de beneficiamento do café e a capela.
Esse conjunto faz o local propício para o resgate e estudo sócio-antropológico das nossas tradições rurais.
O almoço, na própria fazenda, resgata parte da cultura tropeira, com os pratos típicos daquela atividade que o progresso se encarregou de extinguir.
Na lojinha, podem ser adquiridos artigos produzidos no local, como aguardente, doces, café em grão ou moído, biscoitos, broas de milho, mel de abelha, artesanato e uma infinidade de lembrancinhas.
O passeio de trenzinho (puxado pelo trator) pela propriedade mostra o cafezal (nessa época do ano no ponto de colheita), o lago repleto de marrecos, patos e gansos e bois no pasto, a fim de que o visitante, com a ajuda do guia quando descreve cada um dos locais visitados, possa imaginar como era a vida daquela gente, muito antes da energia elétrica.
É comum, nessas ocasiões, ouvir dos colegas da excursão:
“eu queria ter vivido naquela época”
“aquela época é que era boa”
“hoje está tudo mudado, nada mais presta”
Sinceramente eu gostaria de ver quem pensa assim:
- precisando extrair um dente sem anestésico;
- passar dois, três ou mais dias em trabalho de parto;
- viajando em lombo de burro por estradas inexistentes;
- passando roupa com ferro esquentado no fogareiro;
- comendo carne seca por não ter geladeira para conservar frescos os alimentos;
- sendo picado por mosquitos hematófagos por não ter repelente ou inseticida;
- padecendo um calor dos diabos por não ter ventilador ou condicionador de ar;
- andando quilômetros a pé por não ter ônibus, trens ou metrô urbanos;
- fazendo a travessia do Atlântico em 90 dias ou mais;
- tomar conhecimento dos acontecimentos pelo moleque de recados ou por ouvir dizer;
- precisando de óculos e não ter onde comprá-los;
- costurando todas as roupas à mão;
- cozinhando em fogão de lenha;
- iluminando as noites com velas de espermacete importadas da Europa;
- levando meia dúzia de bolos, de palmatória, em cada mão, por não saber responder ao professor, quanto é a raiz quadrada de quatro vezes quatro, noves fora, vezes sete, mais um, dividido por dois?