PIRACEMA...!

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Não desejo escrever sobre o cajá que existia na extrema do terreno na comunidade do Varre-Vento, de cuja árvore a família retirava frutos amarelos e meio azedinhos para chupar, nem dos pés de cacau que existiam na fazenda de meu avô, do qual fazia-se suco ou vinho de cacau, nem do pé de cuieira que nasceu ou foi plantada no quintal da casa que, se falasse, teria muitas histórias para contar sobre as brincadeiras que se faziam em sua sombra, mas unicamente de um fato que presenciei e nunca esqueci: a piracema no Rio Solimões, no fim da década de 70!

Pensando nisso, cheguei a lembrar de algumas árvores frutíferas que plantei no quintal da casa em que residia na Rua Valência, 64, no Conjunto Campos Elíseos III. Eram pés de abacate, cacau, manga rosa, fruta-pão, maracujá, goiaba, cupuaçu, côco banana e até de pé de abóbora, por puro saudosismo, talvez, sendo a residência reconhecida pelos amigos como “floresta”, tantas eram as árvores que existiam!

Das frutas sinto saudades ainda, porque hoje tudo é enlatado, cheio de conservantes, prejudicando a saúde de todos, mas do que mais me recordo é da piracema que vi no Rio Solimões e essa lembrança sempre me vêm à retina como se o tempo a tivesse congelado em minha lembrança como se fosse uma fotografia ou gravado em meu coração de menino sonhador!

Eu na popa da pequena canoa acompanhando meu pai como contrapeso ao sabor do vento e a pequena canoa subindo e descendo ao sabor gostoso do banzeiro, com meus pouco menos de 30 quilos, porque ele decidira “dá uns lances de tarrafa para ver se vai pego alguma coisa para a boia”. Era sempre assim: eu como contrapeso e meu pai com o remo na mão e a tarrafa pesada e cheia de chumbos aos ombros para arremessá-la no rio sempre que suspeitava onde o peixe estivesse passando! Nem sempre acertava, mas nesse dia de sol forte, me surpreendi:

- O que é aquilo, pai? E apontei para uma mancha negra no rio.

Ele não respondeu de imediato; ficou olhando atentamente o movimento escuro das águas, com os peixes começando a pular para a margem do Rio, morrendo na terra pelo calor do sol do verão amazônico, seguido de um dia de lua clara durante a noite fresca e com uma brisa agradável. “É uma piracema, meu filho!” Entre os que morriam à margem do Rio Solimões, consegui identificar pacus, sardinhas, jaraquis e muitos outros.

- Pai, o que é uma piracema, pai?

Com seu modo prático de vida sofrida e vivida no interior, respondeu em sua linguagem ”impírica-teórica-prática-não-científica”: “é quando um movimento de muitos peixes ao mesmo tempo está subindo rumo os rios para fins de reprodução, nas cabeceiras!

E fiz que entendia - Ah, pai entendi - respondi na popa da canoa e questionei em voz alta: “e quando os peixes “desejam”, fazem isso, é?

- É isso mesmo, meu filho!

Eu não havia entendido nada, nem o porquê de ter usado palavra “desejo”. Só sei que durante três dias seguidos a família ficou sem apanhar água do Rio Solimões para beber, porque os peixes que haviam saído da água começaram a morrer e apodrecer na terra, produzindo um mau cheiro horrível, muito bem sentido pelos urubus que os devoravam. Tenho saudades de todas as coisas, inclusive dessa época que nunca mais verei novamente, porque não existem mais fenômenos como o que eu fui testemunha porque o homem explora peixes além do que precisa e não os deixam mais nem “desejar” para subirem em busca das nascentes dos rios! E como sabiam para onde ficava a nascente do rio, se estavam embaixo d’água e nada podiam ver?!

Fiquei pensando comigo mesmo, mas não tive coragem de perguntar ao meu pai! Ele talvez me desse uma resposta, ou me mandaria calar a boca para não impedi-lo de ouvir o ronco dos peixes no Rio Solimões!

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 26/06/2013
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