A Primeira Paixão
Na oficina, Ricardo olhava com admiração para o pequeno António. Admirava o menino feito homem, que na falta do dono da oficina se prontificou a afiar-lhe as ferramentas necessárias ao pessoal no dia seguinte. Naquele momento em que o adulto dava serventia ao António, travou-se um diálogo como se fossem dois colegas.
- Quando a vi, o meu coração começou aos pulos, num frenesim que me aterrorizou, ao mesmo tempo que sentia uns calores na cara como se tivesse levado uma bofetada de cada lado. - Isto é que é o amor?
- Não!... Isso é paixão. – Concluiu o senhor Ricardo.
- Então, estou apaixonado!
- Na tua idade?
- O que tem a minha idade? Tenho já quase doze anos e senti esse calor e o senhor disse que era paixão, então é porque estou apaixonado.
Ricardo sentiu um embaraço ao tentar explicar o que era a paixão para uma criança em que o deslumbre de um sorriso fazia, corar e aumentar a pulsação. Mas puxando de toda a parcimónia resolveu esclarecer o pequeno.
- Diz-me cá uma coisa! Já algum dia tinhas sentido uma coisa assim.
- Por acaso já. Foi na oral da quarta classe, em que eu respondi mal a uma pergunta e pensei que tinha chumbado o ano.
- Então como a sensação é igual, achas que foi paixão?
- Ó senhor Ricardo, você tem cada uma! É claro que não! Nessa altura foi um arrepio que eu nem lhe conto. Mas com ela é diferente, eu queria estar ao pé dela, mas ao mesmo tempo tremia só de olhar para ela.
- Porquê? Ela mete-te medo?
- Bem!...Não é bem medo…ou se calhar, até é. Mas é um medo diferente, eu fico para ali sem conseguir falar. Sabe! A verdade “verdadinha” é que tenho medo que ela não goste de mim.
- Olha meu rapaz! Quanto a isso, batatas. Tens que arranjar coragem e perguntar-lhe. Força cos diabos! Tens língua para quê?
- Pois! Eu falar aqui para si, é muito fácil, mas para ela, é que a porca torce o rabo. Fico para ali, feito parvo, o meu coração dispara e a minha boca cerra-se de uma maneira que não consigo proferir palavra. E quando abro a boca gaguejo que nem eu sei o que digo
Ricardo ficou a meditar na conversa com o António, enquanto o garoto com o saber de adulto temperava agora as ferramentas, com uma sensibilidade que fazia dele um profissional na arte de temperar. Era um dom que o pequeno tinha.
Sem saber o que dizer perguntou:
- Quem é a pequena?
- Oh! Isso não lhe posso dizer!
- Mas porquê? Somos amigos ou não?
- Pois, é por sermos amigos que eu tenho medo de lhe contar.
- Não te percebo? – Comentou Ricardo de testa franzida.
- Nem eu, senhor Ricardo, nem eu me percebo. Bom!... Está tudo temperado, há mais alguma coisa?
- Não meu rapaz. Aponta o trabalho, que eu depois faço contas com o teu patrão.
Sem pensar mais no assunto, Ricardo saiu sem saber o porquê do António não lhe contar, cortando assim, a conversa de repente.
A só com os seus botões António pensava: «Como é que lhe poderia dizer que a menina que o fazia gaguejar era a Ana Rita», a linda filha do seu amigo Ricardo.