Sobre Escritores
Acho que estou na crise das trinta linhas. Passo mais tempo em frente ao computador do que gostaria, com o editor de texto aberto em branco e aquele ponteiro freneticamente piscando e me deixando irritado. Sei lá, provavelmente fosse o tempo seco, agora a chuva, fosse o frio e agora o calor ou frio de novo. Quem sabe medo de tornar-me repetitivo ou seja a busca inalcançável pela perfeição. Talvez somente uma crise de escritor, fruto desse pensamento romântico que temos sobre escritores, impregnado de glamour e mito sobre os seres venerados.
Isso me leva a um impasse interessante, já que não me considero escritor ainda. Estou engatinhando na arte de juntar palavras, nessa aventura utópica e quase imoral de aprisionar pensamentos entre letras e parágrafos. Sou aquele que tenta pintar o cotidiano deixando as emoções fluírem, sem pretensões.
Imagino meus escritores favoritos e seus momentos de criação bem repletos de epifania e inspiração. Um romance inteiro surgido na ponte aérea, crônicas enquanto o macarrão instantâneo não fica pronto, sonetos depois da melhor noite de todos os tempos, ou para conseguir a melhor noite de todos os tempos. Estro, sem transpirar uma gota de suor sequer ou travar em alguma estrofe. A rotina, como quem bate ponto, não pertence ao escritor. A ele a ideia chega sem avisar e faz morada. O real literato não se preocupa com a obrigação, segue sua vida, vive seus dias sem pestanejar. E quando estiver em seu estado de transe literário, pronto para ser absorto por rimas e advérbios, palavras e poesias, veste sua manta e eles vêm.
Em nada se assemelha ao meu hábito de escravo das letras. Escravo rebelde, diga-se de passagem, pois não consigo ser por completo disciplinado. Quando um autor genuíno precisaria estipular dias e horários específicos para criar? Então, sento-me os mesmo dias nos mesmos horários, em frente ao computador, coloco as mesmas músicas no tocador e fico olhando para o ponteiro piscando, desolado naquele mar branco. Penso quinhentas palavras, escrevo sete, depois volto e corrijo, apago e ficam três. Lembro-me que tive algumas sacadas geniais, entretanto como não anotei, as coitadas ficaram perdidas e já não fazem mais nenhum sentido. Mas tento, vou, luto contra o branco e, aos trancos e barrancos chego à linha trinta, a linha da perdição. Pode-se empacar na linha vinte e cinco, ou cinquenta e três, até mesmo na linha doze, mas se empacar na linha trinta, a crise está instaurada, melhor abandonar tudo e começar do zero.
Claro, também existem ocasiões em que recebo presentes e a inspiração dá o ar de sua graça. Disse há muito tempo e repito que as palavras são minhas amigas e me visitam constantemente; só tenho transpirado, e muito, agindo no laço para que as danadas parem com essa brincadeira de esconde-esconde e fiquem por mais tempo. Talvez seja nítida a diferença entre os textos com as palavras que foram capturadas e as que reinaram sobre mim.
Quem sabe um dia, se eu me tornar um escritor a ponto de subir ao Olimpo e descobrir como os escritores de verdade vivem e escrevem, eu possa dizer: “das palavras não espero muita coisa – elas que esperam de mim”. Possivelmente não serei tão pedante assim, mas com certeza conseguirei finalizar meus sonetos, para a noite maravilhosa, sem ficar ruborizado e tirarei grandes proveitos dessa minha talvez crise das trinta linhas.