O cenário do campo

Certa vez enviei um e-mail para uma pessoa amiga. Eu estava na fazenda e iniciei, descrevendo o que se passava.

“Estou ouvindo os grilos cantando e uma infinidade de insetos estão me sobrevoando. Já viu sapo engolir besouros? Ele coloca a língua para fora, espera o besouro subir e, enquanto engole, pisca os olhos. Depois que a barriga está bem cheia, ele fica ajeitando com as patas dianteiras para ver se cabe mais. Quando eu era menina, eu gostava de ficar olhando os sapos debaixo do poste”.

Depois recebi a resposta me aconselhando: “Por que você não escreve esse cenário? Imagine que beleza ficaria tudo isso, costurado pelas suas palavras...”

Mas o verão passou e eu não escrevi. Veio o outono e eu nem me lembrei do conselho. Ficaria muito bonito por que eu ia contar o caso do casal de canarinho que fez um ninho na varanda da casa. Agora é inverno e o cenário é diferente. Os insetos não estão sobrevoando a minha cabeça. Talvez já saibam a razão. É no verão que os insetos se multiplicam. Ouço apenas um grilo cantando ao longe. Nem mesmos os cachorros se atrevem a dar o ar da graça, ou melhor, do latido. Está tudo muito silencioso, eles dormem o sono justo do trabalho diário de acompanhar os pessoas. Tomara que não precisem mostrar serviço e latir sem motivo.

A noite está escura, bem escura. Quando a lua é cheia, ilumina tudo e dá para distinguir o que está nos campos que me rodeiam. É uma claridade prateada que espalha sombras pelas campinas. Luz e sombra. Os temas contraditórios do espírito Barroco se manifestando bem distante dos meios acadêmicos. Segundo a Profª Aíla Sampaio, quando Roger Bastide veio ao Brasil para ministrar uns cursos, resolveu ficar por mais tempo e acabou passando aqui a maior parte de sua vida. Ele exaltava as nossas florestas e dizia ver nelas a continuação de templos barrocos. Affonso Romano de Sant’Anna na sua obra intitulada Barroco, a alma do Brasil, diz que a encenação que resume as contradições da alma barroca do brasileiro é o desfile do carnaval na avenida, que faz a festa da carne e espera a remissão nas cinzas da quarta-feira.

Luz e sombra também me faz recordar o título do livro da Sra. Leandro Dupré, escritora paulista. Nesse livro havia um texto na Apresentação que achei muito bonito e o decorei. Era uma página e meia e eu vivia repetindo todo ele pelos cômodos da casa. Meu pai admirava muito porque era um texto complexo e, segundo afirmava, difícil de ser decorado. Mas eu não achei de tão bonito que era.

Luz e sombra são as fases da vida. Estamos ora na sombra ora na luz. Sombras evocam sofrimento, dor. Luz é o tempo feliz, iluminado. Sombra também pode ser um lugar de descanso, onde nos abastecemos para continuar a caminhada debaixo do Sol.

Mas... e os grilos? E o sapo? E os besouros? Perderam-se, diluíram-se no espírito barroco que me sobrevoou neste momento.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 25/06/2013
Código do texto: T4358297
Classificação de conteúdo: seguro