DAS TEORIAS, A MINHA!
Fiz-me homem triste apenas para compactuar com a tristeza natural que há em mim.
Não tendo nenhum vício vulgar ou extraordinário, pus-me a observar outros homens tristes e sem existência como eu.
Talvez não existamos e sejamos tão e somente um aglomerado de matéria viva que chamam corpo, de cujas únicas funções seriam portar e repassar o verdadeiro princípio inteligente que há no âmago
de nossas células.
Seríamos no invisível do ser apenas um semovente em causa alheia.
Com o tempo, e sendo deles o espírito inteligente, induziram-nos sentimentos para que crêssemos sentir por nós próprios, e não nos atinássemos da banalidade de existir como meros portadores de um outro em nós.
Ou nos auto-enganamos ao termos descobertos, num dia qualquer de nossos séculos, existir somente para que outros Vinte e Três sobrevivam em nossas reentrâncias.
Iludidos pela soma confusa de sentimentos inexistentes, acreditamos amar uma única pessoa entre as milhares que topamos no dia-a-dia e nela tecemos os mais variados sonhos e planos, enquanto o ser 23, aquele em nós escondido, apenas identificou o objeto de nossas ilusões como o receptáculo ideal, de cujas partes também inteligentes ao somar-se às nossas (digo, dele) dariam a segurança para se replicar infinita e saudavelmente.
Talvez, mesmo sendo inteligente, nem ele saiba mais para que luta tanto em perpetuar-se, já que não tendo nossas emoções fictícias e tendo-se centrado somente na necessidade de multiplicar-se o máximo possível, tenha se estristecido por não saber a diferença entre desejo e amor.
Ou talvez se entristeça somente uma vez por nossa vida, quando,
esgotadas nossas forças, e decorrido nosso prazo de validade,
nos veja voltar à vala comum de ser pó por inservibilidade enquanto ele permanece no que julgávamos ser nossa a prole.
A nós, disso tudo e por troca, cabem somente segundos de estertores do gozo.
Mais um engodo para que não saibamos a diferença entre expulsão, doação e morte.
O resto é aguardar.
Aguardar e guardar ou para o caso de que o resultado de nosso falso prazer se vá antes de nós ou que a energia que nos sustenta se esvaia sem a revolta do prazo vencido das carnes.
Não amar é sabotá-lo.
Não procriar é sabotá-lo.
Ou talvez pela primeira vez nós dois estejamos tristes, o 23 e eu, pela mesma razão: não termos conseguido fazer um filho com aquela que julgamos, em comum acordo, única e ideal...
Nem ele se imortalizou;
E eu tento sobreviver.